sábado, maio 20, 2006

Salve-se quem puder

Na nota anterior, parece haver uma contradição entre defender, ao mesmo tempo, o estado de direito e que a polícia atire em presos amotinados, mas não há, não. A polícia pode atirar para matar um preso quando este ameaça a vida de um inocente. É legítima defesa de terceiros.

Agora, é preciso analisar por que os presos se rebelam. Na maior parte das vezes, eles alegam falta de condições nas prisões - o que é verdade. Outro dia estava vendo na TV que uma carceragem com condições para abrigar 17 detentos estava com 90! Parece que é feito pros caras se rebelarem, mesmo.

Preso não pode ter regalia nenhuma; nada de TV e o escambau. No máximo, um radinho pra escutar futebol. Mas têm direito, sim, a um espaço decente, sem superlotação.

A Globo mostrou ontem porque não há rebeliões nos presídios americanos há muito tempo. Lá, o sistema carcerário foi completamente reformado depois de uma grande rebelião. Os presos perigosos ficam em celas separadas, vigiados por câmeras, sem direito ao tal "banho de sol" (quando aproveitam para combinar rebeliões e outras coisas) e muito menos a visitas íntimas. E mais: as visitas são criteriosamente selecionadas. Neguinho com passagem pela polícia não pode visitar ninguém, não. Presos perigosos só falam com as visitar separadas por aqueles vidros que a gente vê nos filmes. Só presos com penas leves têm direito ao contato com os outros. Ao menor sinal de algo errado, os presos são trancafiados e só saem das celas quando o diretor julgar adequado. Ou seja, lá as coisas funcionam, e o nível de corrupção é muito menor do que aqui.

E vou reforçar o que disse: se o secretário de segurança pública não quer divulgar os nomes dos mais de cem mortos pela polícia, é porque tem algo a esconder.O receio das pessoas em São Paulo, hoje, não é nem ser morto pelos bandidos, mas ser confundido com um deles pela polícia. Daí, já era. O Estado tem que proteger os cidadãos honestos, morem eles em higienópolis ou no Capão Redondo. Isso é estado de direito, é civilidade; é o que deveria diferenciar a polícia dos bandidos. Se não for assim, a população começa a temer tanto um quanto os outros. Ou seja, o salve-se quem puder, a barbárie.


sexta-feira, maio 19, 2006

Se correr o bicho pega...

Antes de mais nada, devo dizer que não compactuo com o discurso politicamente correto de que a bandidagem é fruto apenas da pobreza, da falta de educação, blá, blá, blá.Támbém me incomoda o fato de as entidades de direitos humanos não darem muita bola quando os mortos são policiais.

Feitas as ressalvas, vamos lá. É inadmissível que o governo paulista não divulgue os nomes dos 107 "suspeitos" mortos nos últimos dias. Isso só aumenta a suspeita de que, entre eles, há inocentes. O que seriam "inocentes"? Ora, pessoas sem passagem pela polícia. Dezessete deles nem sequer foram identificados.

Não é que eu tenha pena de bandido, não. O problema é que pode estar havendo simplesmente uma reação exacerbada da polícia, o que se configuraria numa situação fora do estado de direito. Não é possível que o Estado aja da mesma forma que os bandidos.

Eu preferiria que os policiais atirassem, e matassem, os verdadeiros bandidos responsáveis por essa calamidade. Não, não estou falando nos de Brasília, mas dos que fizeram as rebeliões que vão custar milhões aos cofres públicos. Por que é que a polícia não coloca atiradores de elite pra meter bala naqueles vagabundos que ficam se exibindo nos telhados dos presídios rebelados? Outro dia vi na televisão a imagem de um bandido com um refém que poderia muito bem ser alvejado por um bom atirador. Preferia que matassem esses vagabundos na frente das câmeras de TV a matarem um pobre coitado lá no Capão Redondo só porque o cara está na rua à noite.

Pelo que li, já tem grupo de extermínio agindo na periferia. Também são bandidos e a dúvida é saber se há policiais entre eles. Andam mascarados ao estilo ninja e alguns usam até camisa da Le Coq, numa alusão ao grupo de extermínio que agiu durante muito tempo no Espírito Santo.

Se de fato isso estiver acontecendo, torna ainda mais grave a já perversa situação da segurança pública em São Paulo. Seria mais um sinal de que a polícia não tem capacidade técnica para nos proteger. Estamos nas mãos do governador Marcola.

E assim o estado de direito, laico, civilizado, vai deixando de existir. Não há pra onde escapar: se correr dos bandidos, a polícia pode achar que você um deles e meter bala.

quarta-feira, maio 17, 2006

Você foi meu herói

Hoje faz um ano que perdi meu pai. O que sou devo a ele e à minha mãe. Refiro-me mais à criação do que à herança genética. Quando tiver condições, escreverei mais sobre ele.
Não sou fã do Fábio Jr., mas sempre me emocionei quando ouvi esta música.


Pai, pode ser que daqui a algum tempo

Haja tempo pra gente ser mais

Muito mais que dois grandes amigos, pai e filho talvez

Pai, pode ser que daí você sinta, qualquer coisa entre esses vinte ou trinta

Longos anos em busca de paz....

Pai, pode crer, eu to bem eu vou indo, to tentando vivendo e pedindo

Com loucura pra você renascer...

Pai, eu não faço questão de ser tudo, só não quero e não vou ficar mudo

Pra falar de amor pra você

Pai, senta aqui que o jantar ta na mesa, fala um pouco tua voz ta tão presa

Nos ensine esse jogo da vida, onde a vida só paga pra ver

Pai, me perdoa essa insegurança, é que eu não sou mais aquela criança

Que um dia morrendo de medo, nos teus braços você fez segredo

Nos teus passos você foi mais eu

Pai, eu cresci e não houve outro jeito,quero só recostar no teu peito

Pra pedir pra você ir lá em casa e brincar de amor com meu filho

No tapete da sala de estar

Pai, você foi meu herói meu bandido, hoje é mais muito mais que um amigo

Nem você nem ninguém ta sozinho, você faz parte desse caminho

Que hoje eu sigo em paz ... pai

terça-feira, maio 16, 2006

No colinho

Como trabalho num jornal "sério", vou dizer que o governo paulista sucumbiu à demonstração de força e organização dos bandidos, com os quais fez um acerto para dar fim aos atentados. Mas eu queria mesmo é, como faria o saudoso Notícias Populares, dizer que o governador Lembo sentou no colo do Marcola; só não teve beijo na boca.

O cessar-fogo teve como contrapartida regalias para os bandidos do PCC, os mesmos que deveriam ser tratados com o máximo rigor concedido pela lei. Aliás, lei que deve ser modificada para permitir o isolamento completo de bandidos perigosos como esses por tempo indeterminado.

Se a situação continuasse, o risco era de os bandidos pés-de-chinelo se aproveitarem para fazer a festa, já que a polícia simplesmente sumiu das ruas de São Paulo, desde sábado. Hoje, parece que as "viaturas" já voltaram para as ruas, já que a gente já não precisa mais deles, pois o Marcola tratou de nos poupar. Tudo sob o controle ... do Marcola.

Deboche

Recomendo uma matéria do grande Bob Fernandes no Terra Magazine. Bob revela que o chefe do PCC, Marcola, disse na cara do delegado do Deic que o mataria.

Ah, e recusou a pizza servida aos outros presos que junto com ele estavam na sede do Deic, em São Paulo; preferiu um x-picanha com batatas fritas, no que foi prontamente atendido.

segunda-feira, maio 15, 2006

Deserto

São Paulo está deserta. Nos quase sete anos que moro aqui, nunca vi a cidade tão vazia. O trânsito na Marginal Pinheiros, quando voltei pra casa, por volta das oito e meia, estava ótimo. Vim do Jaguaré até o aeroporto de Congonhas em 15 minutos. O problema no trânsito foi antes; por volta das seis da tarde o congestionamento passou dos 200 quilômetros.

Aqui em Moema, tudo muito quieto. A avenida dos Bandeirantes quase não faz barulho. O supermercado tinha só um caixa atendendo. Não foi oficial, mas um toque de recolher auto-imposto pela população.

O pânico começou à tarde, com uma onda de boatos. Diziam que a faculdade tal fora metralhada, que a empresa tinha sido saqueada... Escritórios e empresas diversas dispensaram os funcionários no meio da tarde.

Acho que houve uma reação exacerbada, claro, mas compreensível. As pessoas simplesmente não sabiam se teriam como voltar pra casa, já que os ônibus não circularam na zona sul. E também não queriam estar nas ruas à noite, já que não se tinha idéia do que poderia acontecer.

Neste exato momento, um silêncio incomum, daqueles típicos de cidade do interior.

Sob controle

A situação na capital paulista está, realmente, sob controle... dos bandidos. Em menos de meia hora, dois ônibus queimados na zona Leste, nos bairros de Guaianases e Itaquera. A população, principalmente a parte mais pobre, está sitiada. Os ônibus não circulam na zona Sul da cidade. Hoje à noite vou ter que buscar minha mulher no trabalho.

São Paulo sitiada

Os sites de notícia nem sequer conseguem acompanhar a velocidade dos acontecimentos na capital paulista. O Folha onoline informa que são 61 os ônibus queimados, mas a TV já mostra que são 68. O último deles no bairro de Itaim Paulista, na Zona Leste. Os bombeiros não se atrevem a correr para apagar o fogo. Temem ser alvos fáceis para os bandidos.

Nas ruas, as pessoas evitam passar por perto de viaturas e de prédios da polícia ou qualquer coisa parecida. Na zona sul, todos os terminais de ônibus estão fechados; nenhum coletivo circulou na manhã desta segunda-feira. O rodízio municipal de veículos foi suspenso e os carros com placas final 1 e 2 podem circular normalmente entre as 7 horas e as 10 horas da manhã e entre as 17h e às 20h.

Mais de 60 pessoas morreram até a madrugada de domingo. Mais de dez agências bancárias foram atacadas por coquetéis molotov e por tiros da bandidagem.

O governador Cláudio (mo)Lembo, que mais parece personagem saído de filme de terror trash, recusou a ajuda do governo federal porque a situação estaria "sob controle". Claro que está, sob o controle dos bandidos!! Eles controlam todos os presídios de São Paulo! E o governo paulista não consegue nem fazer funcionar os bloqueadores de celulares.

Qualquer gestor minimamente capacitado sabe que sem informação a bandidagem não faz nada. Aliás, sem informação ninguém faz nada certo. E é isso que falta aos nossos administradores: conhecimento. A polícia simplesmente desconhece o que vem a ser "inteligência". Nos Estados Unidos, a polícia desvenda um crime com base em um fio de cabelo encontrado na cena do crime. Aqui, o bandido pode deixar o currículo que nunca será encontrado.

A gente paga impostos que chegam a 38% de toda a riqueza produzida pelo país e tem que agüentar autoridades como estas que estão por aí!

Tudo isso e o Robert Fisk, prestigiado jornalista do The Independent, disse que cobrir um país como o Brasil seria monótono porque não é uma região de conflito. Passa uma semaninha no rio Rio ou em São Paulo para o senhor ver, Mr. Fisk!

domingo, maio 14, 2006

O Haiti é aqui

O país que comanda as tropas de paz no Haiti não só não consegue melhorar a sua própria segurança pública como ainda permite que a situação piore! A televisão tem mostrado a situação deplorável em que está metido o maior estado da Federação. A frase mais ouvida é "se os bandidos estão matando a polícia em plena luz do dia, o que farão de nós, civis"?

Informações do Folha online: "Segundo o balanço parcial do governo do Estado, até a noite deste domingo, foram 115 ataques. Morreram 20 policiais militares -12 deles em folga -, cinco policiais civis - todos em folga -, três guardas municipais, oito agentes penitenciários - todos em folga -, dois civis e 14 suspeitos, baleados em confrontos."

Na noite de sábado, o movimento de carros de polícia era muito acima do normal, aqui nas imediações da avenida Bandeirantes, perto do aeroporto. No domingo, mesmo com o clima de insegurança, arriscamos um passeio até o Memorial da América Latina, na Barra Funda. As ruas estavam bem vazias.

Tudo soa como um grande deboche. A bandidagem tudo pode; o Estado pouco faz. O governo paulista recusa ajuda da Polícia Federal para evitar que, na campanha, Lula diga que teve que socorrer o estado governado por Alckmin até poucos dias atrás. Não importa se pessoas estão sendo mortas.

Dos candidatos ouvidos, a maioria recorreu ao clichê politicamente correto do "é preciso investir em educação, blá, blá, blá". Não vi ninguém, nem a polícia, com uma proposta prática para enfrentar a bandidagem. Por exemplo: por que não atirar nos detentos que se exibem em telhados dos presídios? Sou completamente contra a tortura e acho que o Estado tem o dever de zelar pela vida dos presos, já que estão sob sua guarda. Mas daí a tolerar rebeliões vai uma grande distância. Claro que a polícia não intervém porque os amotinados se escondem por trás dos reféns.

É certo, por outro lado, que as cadeias estão cheias. O governo paulista fez demagogia ao implodir o Carandiru. Pra onde foram todas aquelas pessoas? Certamente, foram superlotar os presídios do interior.

Também é certo que as chamadas desigualdades sociais formam um quadro propício para a explosão do crime. Um jovem desempregado é muito mais facilmente atraído para o crime organizado, que lhes dá dinheiro e status.

Outro deboche a nossa Justiça. As leis - e principalmente o código de processo penal - são feitas para que os bandidos ricos, sejam eles deputados ou traficantes, se beneficiem de uma infinidade de recursos, que fazem a fortuna de muitos advogados. Justiça que tarda falha.

Por último, a fragilidade da polícia. Os policiais ganham pouco em todo o país. Os honestos fazem bicos para poder sobreviver. Os outros... bem... os outros fazem o papel de bandido; permitem a entrada de armas e celulares nos presídios e chegam a integrar o próprio crime organizado.

Mas, indo mais fundo na análise, é preciso mencionar um ponto completamente ignorado: o papel dos entes da Federação. O que fazem os Estados hoje em dia? Quase nada. Limitam-se a pagar a folha de pessoal. Não fazem estradas, não provêem educação com qualidade pelo menos razoável nem garantem a segurança das pessoas de bem. E os municípios? Idem.

É preciso um novo pacto federativo que dê mais autonomia aos estados e municípios; que deixe nos municípios a maior parte do dinheiros dos impostos. É mais para a população cobrar do prefeito do que do presidente da República. E cada estado tem que ter autonomia para adotar suas próprias regras. O que tem em comum a realidade sócio-econômica do interior do Piauí com a de Santa Catarina, por exemplo? O salário mínimo é uma renda considerável para um funcionário de uma prefeitura do interior do Ceará, mas é irrisório na capital paulista, onde uma diarista cobra R$ 60 por uma faxina.

Por fim, é preciso agir estrategicamente no curto e no longo prazos: muito rigor na repressão da bandidagem, agora, imediatamente, não importando se a causa é social, blá, blá, blá. Ao mesmo tempo, um investimento maciço na educação dos nossos jovens que possibilite resgatar as próximas gerações. No Brasil, até agora, o governo investiu para maquiar as estatísticas. Há mais pessoas estudando, menos analfabetos, mas cada vez mais gente formada em curso superior sem saber escrever um parágrafo inteligível em português padrão. Matemática, então, nem se fala.

sexta-feira, maio 12, 2006

Já faz um ano

No dia 12 de maio de 2005, defendi minha dissertação de mestrado na PUC, com nota 10. Não deu nem pra comemorar porque meu pai estava em coma. Minha irmã contou no ouvido dele que eu conseguira e ele esboçou uma reação. Foi um período duro. Deixei-o na UTI, em Santa Catarina, e vim pra São Paulo começar num trabalho novo e apresentar a dissertação. Cinco dias depois, voltei para o sepultamento.

quarta-feira, maio 10, 2006

Leandrinho matando a pau

Do USA Today

O armador Leandro Barbosa dos Phoenix Suns está ganhando apelidos mais rapidamente do que joga. O Borrão Brasileiro. Ligeirinho. O homem mais rápido do planeta, disse o técnico do Suns, Mike D'Antoni. E o mais recente, cunhado pelo companheiro de equipe Boris Diaw: "Papa-léguas".O que provoca a pergunta à medida que esquentam os playoffs da NBA: se o Phoenix Suns joga em velocidade warp, em que marcha joga Leandro.

O MVP da temporada Steve Nash (centro) é saudadado por Shawn Marion (esq) e Leandro"Leandro", disse o melhor jogador da temporada, Steve Nash, o orquestrador do ataque pegue-nos se puder, "tem uma marcha que desconheço totalmente. É engraçado assistir. Quem me dera eu pudesse pegá-la emprestada por um quarto ou dois apenas por diversão. Eu emprestaria meu carro para ele se ele me emprestasse suas rodas".
As rodas estão acelerando em ritmo de 500 Milhas de Indianápolis para Leandro e os Suns. Eles ativaram todos os cilindros novamente na segunda-feira, em uma demonstração ofensiva arrebatadora para abrir a segunda rodada dos playoffs contra o Los Angeles Clippers.O Suns acertaram 54,7% de fora do garrafão, 44,4% da linha de três pontos e 96% da linha de lance livre, obtendo desconcertantes 74 pontos na segunda metade do jogo -após 48 horas de descanso após a vitória emocionante no sétimo jogo contra os Los Angeles Lakers.
Eles se somaram à vitória por 130 a 123 no primeiro jogo das semifinais da Conferência Oeste -um inicio desencorajador para os Clippers, que desperdiçaram um jogo de 40 pontos de Elton Brand, 59,3% de arremessos certos, sete dias de descanso e a presença de um antigo torcedor ao lado da quadra, Billy Crystal."Nós meio que suportamos a tempestade, mas não podemos esperar fazer isto toda noite", alertou o ala James Jones de Phoenix.
Esta sempre é a questão com os defensivamente frouxos Suns, que vivem do ataque quando está sincronizado, mas que morrem quando os oponentes ditam o ritmo com um maior campo ofensivo. Todavia, a bola pequena contra homens grandes se transformou em uma corrida de atletismo em vez de uma luta de boxe, com outra vitória dos Suns na segunda-feira. O segundo jogo será na noite de quarta-feira, em Phoenix.
Desde que os Lakers desaceleraram o ritmo com sucesso e conquistaram uma vantagem de 3 a 1 na sua série, os Suns se reagruparam ofensivamente e venceram quatro consecutivas.Não se tratou apenas de uma volta ao habitual, mas sim uma volta ao incomum. Uma equipe com uma média elevada de 108,4 pontos em uma temporada regular devastou a equipe de Los Angeles nos playoffs com uma média de 122,8 pontos em 55,2% de arremessos de fora do garrafão, 42,9% de longa distância e 89,8% da linha de arremesso livre nos últimos quatro jogos. Isto inclui uma precisão de 61% nos arremessos em meio à pressão que foi o sétimo jogo no sábado.
Não é de se estranhar que Kobe Bryant saiu resmungando que "eles são como corredores olímpicos. Eles têm muito poder de fogo. Eles não cessavam de nos atacar em ondas".
Ondas. Faltou um ponto de Jones para os Suns colocarem sete jogadores somando dois dígitos no primeiro jogo contra os Clippers. Seis estão marcando dois dígitos em média nos playoffs."Eles não vão nos desacelerar", disse o ala Shawn Marion. Nash acrescentou: "Nós estamos melhorando. Estamos ficando mais equilibrados. Nosso ataque está claramente jogando com o tempo, confiança e ritmo que precisamos".
Ritmo, ritmo é o teste. É uma questão de escolher seu veneno com esta equipe, mesmo com Phil Jackson, dono de nove titulos, e agora Mike Dunleavy, o treinador que ressuscitou os Clippers, planejando uma desaceleração do jogo. Mas nenhum teve sucesso. "Ritmo", disse Dunleavy, "não é exatamente o que precisávamos". O que os Clippers precisavam era de um grande jogo no garrafão de Brand, com 6 acertos em 8, e sólido arremesso de fora. Eles conseguiram ambos -mas mesmo assim perderam. "Nosso objetivo é tentar segurá-los", disse Dunleavy. "Obviamente conseguimos passar a bola para Elton e criar algumas oportunidades para os demais. Mas foi um esforço perdido."Surpreendentemente, e talvez mais desanimadoramente para os Clippers, mesmo com o elevado número de acerto nos arremessos, os Suns os superaram."Nós temos que controlar melhor o tempo", disse Brand. "Para colocar o tempo a nosso favor nós precisamos limitar nossos arremessos rápidos. Este é o plano de jogo deles. Não pode ser um ouro de tolo. Este é o ritmo e estilo deles e não podemos fazer isto."Mas é mais fácil dizer que fazer. Pergunte aos Lakers, que contaram com Kwame Brown e Lamar Odom em vez de Bryant e perderam uma vantagem de 3 jogos a 1."Eu vou roubar uma fala da Disney e dizer que é mundo pequeno afinal", disse D'Antoni após a série com os Lakers. "Eu acho que baixinhos podem jogar."Foi outra validação do estilo de D'Antoni, questionado nas duas últimas temporadas pelo seu fracasso nos playoffs. Mas ele levou os Suns para as finais da conferência no ano passado, quando o time perdeu cinco jogos para os futuros campeões San Antonio Spurs -que os derrotaram em seu próprio jogo acelerado. Agora os Suns estão a três vitórias de outra final da conferência."Nós estamos sempre 'arruinados'", disse Nash, respondendo aos críticos. "Nós estamos 'arruinados' antes da temporada, nós estamos 'arruinados' durante a temporada, nós estamos 'arruinados' durante os playoffs. Isto não nos afeta porque sempre duvidam de nós."Preenchendo habilmente os buracosEsta é uma equipe que desafiou as expectativas durante toda a temporada. Ela venceu 54 jogos sem o machucado astro Amare Stoudemire e sem o pivô Kurt Thomas, que está sem jogar desde fevereiro por lesão. As duas lesões ocorreram após a reformulação dos Suns fora da temporada, que trouxe de volta apenas dois iniciantes e quatro jogadores do esforço de 62 vitórias da última temporada."Eu acho que nossa resistência e nossa perseverança foram fundamentais para nosso sucesso", disse Nash. "Nós tivemos tamanha mudança e troca de jogadores que é necessária muita abnegação e muita determinação para realmente apresentarmos o retrospecto que temos e chegarmos aos playoffs. Nós realmente temos que nos apoiar nisto, especialmente estando um pouco abaixo na estatura e enfrentando tantas lesões."Muitos Suns têm se destacado: Nash, Marion, o produtor de duplos dobros; o defensor Raja Bell, o xerife da defesa e ás dos três pontos; Diaw, a ameaça de triplo dobro da França que está com uma média de 21 pontos nos últimos cinco jogos; e o ala Tim Thomas, que foi posto para fora do Chicago Bulls.E é claro, o Borrão Brasileiro, Leandro. O jogador veloz seguiu sua temporada de estréia (máximo de 13,1 pontos, terceiro na liga em arremessos de três pontos com 44,4%) com uma segunda temporada como revelação. Contra os Lakers, nos jogos eliminatórios 6 e 7, o armador totalizou 48 pontos.Leandro tinha 17 pontos em 33 minutos fora do banco no primeiro jogo contra os Clippers. "Este é um grande ás de se ter", disse D'Antoni. "Ele abre tudo."Leandro, uma decepção nos playoffs da temporada passada, começou a mudar sua sorte no começo do segundo semestre do ano passado, quando o presidente dos Suns, Jerry Colangelo, também diretor da seleção americana, o viu jogar pelo Brasil na Copa das Américas, realizada na República Dominicana.Joe Johnston, um armador chave dos Suns na temporada passada, tinha acabado de partir para ganhar mais dinheiro e menos vitórias nos Atlanta Hawks."Eu tentei lhe dar um pouco de incentivo", disse Colangelo sobre Leandro. "Devido às trocas que fizemos ele teve uma grande oportunidade. Eu disse: 'Você precisa pegar esta chance. Você consegue'. A confiança dele aumentou muito. Era tudo o que ele precisava -sua confiança."Leandro Barbosa marcou 37 pontos contra os Estados Unidos em uma derrota -e não olhou para trás.Os Suns trouxeram o irmão de D'Antoni, Dan, um técnico colegial de 30 anos, para trabalhar individualmente com Leandro e os frutos disto foram excelentes."Ele me deixa melhor", disse Leandro, que fala inglês e português. "Ele faz com que eu me sinta confiante."Antes de cada jogo, Dan D'Antoni deixa notas no armário de Leandro para ele se concentrar. A lista é geralmente longa- 10 a 12 notas. Mas antes do sétimo jogo contra os Lakers, ele deixou uma simples mensagem: "Não faça muitas faltas e apenas jogue seu jogo. Está com você agora".A resposta de Barbosa: 26 pontos em 10 arremessos certos em 12, em 31 minutos."Eu estou me sentindo bem, à vontade, confiante", ele disse após o primeiro jogo. "Eu estou me divertindo."Ele é o corredor supremo da equipe e até tem estabelecido o tom com suas disparadas para a cesta e longos arremessos de três pontos."Nós estamos correndo, correndo, correndo e abrindo espaço para arremesso", disse Leandro. "É a forma como gosto de jogar."

terça-feira, maio 09, 2006

Quanta semelhança!

Os fazendeiros resolveram imitar o MST: fizeram uma série de manifestações por todo o país. Em comum, as ações também infringiram a lei: impediram a entrada de funcionários públicos e um órgão da fazenda, no Mato Grosso, e ergueram barreiras em várias rodovias importantes do país, impedindo o direito de ir e vir das pessoas.
E o que disse o ministro Roberto Rodrigues, o inimigo número 1 do MST neste governo esquizofrênico, que sempre critica as arruaças da turma do Stédile? "O movimento é legítimo!" E o que querem os "produtores rurais"? Ora, o de sempre: que o governo não lhes cobre as dívidas. Assim é o nosso capitalismo tupiniquim: quando dá lucro, o fazendeiro embolsa; quando dá prejuízo, a gente paga o pato.

domingo, maio 07, 2006

Entrevista com Bricmont

Aqui está uma entrevista que fiz com o físico Jean Bricmontda Universidade de Louvain, na Bélgica, para a matéria sobre o ensino de astrologia em universidades brasileiras, publicada no Valor e republicada aqui neste blog. Bricmont é co-autor do livro Imposturas Intelectuais - o Abuso da Ciência pelos Filósofos pós-Modernos. (Desculpem-me os que não lêem inglês, mas estou sem paciência para traduzir)


Recently, Universtity of Brasília (UnB) created a course in astrology. UnB has even a group of studies on paranormal fenomena. What do you think about that?
Bricmont: I think it is a bad decision- one can of course study paranormal phenomena, but it has to be done scientifically. As far as I know, the scientific studies of those phenomena have yield negative results.

Is astrology a science?
Bricmont: no - insofar as no empirical argument in favour of its claims has ever been given, as far as I know.

Is it possible to define what science is?
Bricmont: More or less, yes. It is not necessarily easy to make a sharp distinction between science and non science, but it is rather easy to make such a distinction when the difference is big. To make a comparison, it is not possible, except by convention, to say exactly where the border between Asia andEurope is. But if you go from Paris to Tokyo, you can tell which cityis in Europe and which one is in Asia. To turn to astrology, there is a simple test: ask their defenders to make a reasonably large sample of predictions, in a controlled experiment, that do better than chance. Scientist do that all the time. If they cannot pass this test, why should we believe them? And if we have no reason to believe them, why should we teach what they say?

Is there a limit to what can be taught in the universities?
Bricmont: of course - there simply isn't the time or the money to teach everything - every possible superstition that has ever existed? In general, it is even impossible to teach all important aspects of science, because of lack of time or of money. So, if only for practical reasons, a selection of topics must be made.

How can this limit be stablished and by whom?
Bricmont: Ultimately, by elected representatives (say, the parlament). But it is wise for those elected people to rely on the advise of experts. Which experts? Well, those who are able to pass the test I mentioned above, for example. Otherwise, anybody can call itself an expert. Of course there is a problem here - it may be the case that the population wants and votes for, people who don't want to listen to "my"experts. This is of course more or less what happens with creationist politicians in the US, for example. I would expect that, in the long run, the population would suffer from those choices, but this is not obvious and it is not guaranteed that the population will realize the connection between its beliefs and their consequences. To that problem,I have no satisfactory answer.

In what level can a course on literature be diferent from astrology - I mean in terms of how "scientific" are those both courses?
Bricmont: Well, a course on literature can be scientific in some sense, I mean, stating certain facts right, for example. Then there is the problem of interpretation, commentary etc. I don't think the latter are completely arbitrary, but, of course, it is difficult to say what the "correct" commentaries on a piece of fiction are. Nevertheless, you can give evidence for your claims, even if it is not conclusive. If, on the other hand, you speak of your tastes, then of course, we move in the domain of the subjective. I don't think the tastes of the professor should be the main point of a course on literature. But it is very different from astrology- the latter makes empirical claims about the world that are not supported by evidence. People who make commentaries on a piece of fiction usually give evidence for their claims, or, if they express their tastes, usually admit that other opposite tastes are equally acceptable. But, when one makes empirical claims about the world, one cannot accept that both the claim and its opposite are equally valid - e.g. astrologers do not admit that the proposition "astrology is an illusion" is as valid as their claims.

Pushing this discussion ahead, how scientific are disciplines like> administration, economics and psychology, for instance - all taught in undergraduate and graduate levels?
Bricmont: some of them not much; it is not as clear cut a case as astrology; I mean some parts of economics can be scientific: some maths, some history or descriptions (I tend to believe that claims made by economists go far beyond what is supported by evidence, but that does not mean that more moderate claims could not be scientific); same for psychology (but here a problem is that a lot of psychology taught in universities is simply psychoanalysis).

sábado, maio 06, 2006

A culpa é da racionalidade científica


Transcrevo entrevista publicada pelo Valor com a filósofa peti(auti)sta Marilena Chauí, na qual ela desnuda sua aversão pela racionalidade científica. Tirem suas próprias conclusões. (Os grifos são meus)

Valor: A senhora diz no livro "Cultura e Democracia - O Discurso Competente e Outras Falas" que hoje se vive a era da "sociedade do conhecimento", na qual os que possuem determinados conhecimentos têm o direito natural de "mandar e comandar os demais em todas as esferas da vida social".
Marilena Chauí: Um pequeno esclarecimento. A sociedade do conhecimento é a nova forma da ideologia da competência. Esta surgiu com a chamada "organização científica" do trabalho industrial, ou "gerência científica", e se espalhou para todas esferas da existência social. É ele que afirma que os que possuem conhecimentos técnicos e científicos têm o direito de mandar e comandar, enquanto os outros, despojados de tais conhecimentos, têm o dever de obedecer. Essa ideologia divide a sociedade em especialistas competentes e sujeitos sociais, políticos e culturais incompetentes. É uma forma de poder e de dominação que se intensifica e se potencializa na nova forma do capital, isto é, quando a ciência se torna força produtiva e a informação significa poder. Não tem nada a ver com mérito ou meritocracia, mas com exercício da dominação.

Valor: Vem daí sua força despolitizadora?
Marilena: A ideologia da competência ou da sociedade do conhecimento tem uma força despolitizadora imensa, pois a política passa a ser considerada uma questão de conhecimento técnico - a política se torna uma técnica - que exclui todos os que não o possuem. Os cidadãos são reduzidos à condição de votantes, apenas. Essa ideologia é, por excelência, antidemocrática, pois, desde seu nascimento na Grécia, a democracia sempre se fundou na idéia de competência política dos cidadãos para discutir, deliberar e decidir politicamente. Somente depois de tomada uma decisão pelos cidadãos, os dirigentes recorriam aos técnicos, cuja competência específica era empregada para concretizar a decisão tomada pelos cidadãos. Hoje, a ideologia da competência e da sociedade do conhecimento produz uma inversão: os técnicos decidem e os cidadãos acatam. É isso a despolitização da sociedade. No livro, ofereço vários exemplos de como os operários desmoralizavam a "gerência científica", que lhes dava ordens e regras para a fabricação de um produto. Em muitas ocasiões, os trabalhadores realizaram a chamada "greve do zelo", que consistia em fabricar o produto seguindo exatamente as ordens e normas recebidas dos técnicos competentes, sem que o saber real ou a competência real dos trabalhadores fossem empregados na fabricação. O resultado era claro: os produtos eram imprestáveis.

Valor: Como vê a imagem do presidente Lula nessa conjuntura, uma vez que ele é a negação dessa lógica meritocrática, pelo menos em termos de educação formal?
Marilena: No caso do Brasil, a ideologia da competência e da sociedade do conhecimento, além de exercício de poder, servem para legitimar um traço marcante de nossa sociedade, qual seja, o autoritarismo social, que faz com que todas as relações sociais - na família, no trabalho, na escola, no hospital, na rua, no entretenimento etc. - tenham a forma de uma relação entre um superior e um inferior e assumam a forma da cumplicidade quando os sujeitos se consideram iguais, e da repressão, quando desiguais. O autoritarismo social aparece no racismo, no machismo e, evidentemente, no preconceito de classe. Se a democracia é uma forma social de ampliação e criação de direitos, isso é muito difícil no Brasil, por que o autoritarismo social, o preconceito de classe e a desigualdade econômica dividem nossa sociedade em dois pólos: o do privilégio, que, por ser privilégio, não pode ser um direito de todos os cidadãos, e o da carência, que, por ser a ausência de direitos, não pode ser um direito de todos os cidadãos. Deixo por sua conta e por conta dos leitores avaliar como a ideologia da competência, a ideologia da sociedade do conhecimento, o autoritarismo social e a possibilidade de instituir uma sociedade democrática podem ser analisados com a presença do presidente Lula na cena política brasileira.

Valor: Num artigo publicado por ocasião do caso Waldomiro, na "Folha de S.Paulo", a senhora escreveu que o episódio deveria servir como gancho para propostas de mudanças. Mas a mídia não teria preocupação com a ética na política nem com a reforma política. Sua motivação seria a disputa simbólica para destituir o PT do lugar que ocupava. Essa disputa ainda vale para explicar os escândalos que vieram depois?
Marilena: Enquanto não se fizer uma reforma política, todos os governos tenderão a sucumbir aos mesmos problemas. Não vou repetir aqui esses problemas, pois já escrevi sobre isso em várias ocasiões e em vários lugares. Em resumo, direi o seguinte: no fim da ditadura, quando o MDB poderia superar a Arena com maioria parlamentar, o problema foi resolvido conseguindo-se novos parlamentares arenistas, entre outros meios, pela transformação dos territórios em Estados e pela criação de novos Estados com o desmembramento de alguns existentes. A seguir, o sistema partidário e eleitoral levou à distorção da representação, tanto pela super-representação dos Estados recém-criados como pela proliferação de partidos artificiais ou de aluguel. O resultado tem sido a impossibilidade de o partido vitorioso no Executivo conseguir eleger maioria parlamentar, ficando às voltas com o chamado "problema da governabilidade". Este acaba levando ou a alianças partidárias artificiais, que desagradam a todos os representados, ou à distorção de uma prática própria da democracia parlamentar, isto é, a negociação entre Executivo e Legislativo ("concedo x desde que você conceda y"). Passa-se da negociação à negociata.

Valor: E o financiamento das campanhas?
Marilena: O financiamento privado das campanhas eleitorais acarreta pelo menos três graves improbidades públicas. A primeira é a desinformação social, pois candidatos e partidos publicam gastos que não correspondem à realidade. A segunda é o segredo, pois candidatos e partidos, à margem de seus programas e compromissos públicos, se comprometem com interesses privados dos financiadores, favorecendo os economicamente poderosos às custas dos direitos das outras classes sociais. A terceira é a possibilidade de enriquecimento ilícito dos que se apropriam privadamente dos fundos de campanha. É evidente a necessidade da reforma política e o governo deveria tê-la proposto logo no início, quando tinha poder e prestígio para dirigi-la. Na sua pergunta anterior, o problema aparece: você diz "ética na política". Penso que devemos dizer ética "da" política. Falar em ética "na" política leva a supor que deve haver uma transferência das normas e dos valores da vida privada para a esfera pública. Dizer ética "da" política significa dizer que há normas e valores que pertencem propriamente ao espaço público e que as instituições políticas e públicas devem exprimir essas normas e esses valores.


Valor: A senhora poderia dar um exemplo?
Marilena: O primeiro pensador que analisou com clareza meridiana a diferença entre o privado e o público foi o filósofo Aristóteles, quando distinguiu o poder doméstico do chefe de família e o poder político dos cidadãos. O primeiro se baseia na vontade pessoal e arbitrária do chefe - e a gente só pode torcer para que ele seja ético e virtuoso e não pratique violências. O segundo se baseia em dois princípios ou valores éticos públicos: a justiça do partilhável e a justiça do participável. A vida política é instituída tendo como finalidade instituir a justiça, transformando os indivíduos privados em cidadãos. A justiça consiste em tornar iguais os desiguais. A justiça do partilhável se refere à distribuição dos bens e das riquezas, pois uma política que fomenta e produz a desigualdade é injusta e, portanto, imoral. A justiça do participável se refere ao que não pode ser dividido ou partilhado, mas somente participado: trata-se do poder político, que deve ser igualmente participado por todos os cidadãos. Uma política que não assegure a participação é injusta e, portanto, imoral. Trata-se, pois, de encontrar e estabelecer instituições políticas e sociais que sejam capazes de assegurar a justiça. Como você vê, não há referência a qualidades pessoais dos governantes, às suas virtudes ou ao seus vícios, não se fala em ética na política e sim numa ética "da" política, numa ética pública, que possui valores e normas éticas públicos e instituições públicas para realizá-los. Do ponto de vista de uma ética da política, a história da política brasileira é a história da falta de ética.

Valor: É a história do PT?
Marilena: O PT surgiu vinculado a dois valores: a dignidade dos trabalhadores - portanto, a cidadania ou a participação no poder político ou justiça do participável; e a justiça - portanto, a distribuição da renda, em vista da igualdade, isto é, a justiça do partilhável. Há, pois, uma ética da política e o PT nasceu defendendo uma ética da política. Por isso mesmo, a perplexidade e o inconformismo dos petistas com os escândalos. Quanto aos escândalos, tenho algumas observações. Do lado institucional, as falhas do sistema político, tanto o partidário como o eleitoral. Do lado do PT, o que eu já disse sobre as mudanças ocorridas no partido, com a centralização, a burocratização e o predomínio da questão eleitoral sobre todas as outras, ou seja, a mudança de partido de quadros a partido de políticos profissionais com aceitação das regras do jogo; e, com a eleição de Lula, quadros importantes foram para o governo e os substitutos não souberam ter o controle sobre as finanças partidárias. Mas é importante deixar claro o que permitiu que a crise fosse desencadeada e o que a fez ser iniciada.

Valor: O que a desencadeou?
Marilena: O enfraquecimento do governo com a perda da presidência da Câmara. Tanto é assim que todas as tentativas para montar CPIs durante os governos de FHC foram bloqueadas pela presidência da Câmara - e olha que, em matéria de escândalos, não havia pouco, desde o que se passou com as privatizações até a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição. Mas, o que fez a crise ser iniciada foi a conjugação de vários fatores: o início de ações da PF, que iriam atingir gente graúda com poder de fogo para impedir isso; a possibilidade de reeleição de Lula; a possibilidade de favoritismo do PT nas eleições estaduais; disputas - sobretudo entre PSDB e PMDB - pela privatização dos Correios; a futura perda de US$ 15 bilhões pelo Opportunity, que abastecia Marcos Valério desde os tempos do PSDB, com as mudanças que seriam feitas nos fundos de pensão. A finalidade também era clara: um golpe branco ou o impeachment do presidente da República. Tanto era assim que, logo no início da crise, vários tucanos participaram de programas de televisão e rádio anunciando que já tinham formado um "governo de transição", e propunham a antecipação das eleições presidenciais. Como você sabe, todas essas questões vêm sendo discutidas nos fóruns do PT, suscitaram o movimento de refundação partidária e levarão, a médio prazo, ao desmantelamento da estrutura burocrática e centralizada.

Valor: Os movimentos sociais tiveram com o PT um forte canal de comunicação e uma ligação histórica. Com a chegada do partido ao poder, esses movimentos não perderam sua força, uma vez que não quiseram romper com sua base histórica e não apresentaram alternativas para sua sobrevivência?
Marilena: Sob os efeitos do neoliberalismo, houve um refluxo mundial dos movimentos sociais e populares, que só muito lentamente estão retomando fôlego, buscando novas formas de organização e de expressão. Por isso, a importância do Fórum Social Mundial. Agora, os movimentos sociais e populares no Brasil formam o grande sujeito político dos anos 1980 e 90, mas sofreram também os efeitos da nova forma de acumulação do capital e também tiveram que buscar novas formas de organização e de expressão. No entanto, convém lembrar que o MST, por exemplo, continuou e continua firme e não se atrelou ao governo. No caso das universidades, que é o que eu conheço melhor, a Andes, a Andifes, a UNE, as associações estaduais de professores e de estudantes continuam firmes e não se atrelaram ao governo. Com relação aos movimentos sociais e populares ligados ao PT, o enfraquecimento partidário dos movimentos - e não sua posição política - decorreu não só da situação que atinge todos os movimentos no mundo inteiro, mas também de uma causa particular, que nada tem a ver com a chegada do partido ao poder. Essa causa foi a centralização e a burocratização das direções partidárias e o papel predominante dos políticos profissionais no partido, desmantelando a forte presença dos movimentos nas decisões partidárias.

Valor: A senhora considera que os programas sociais do governo, como o Bolsa-Família, que pode se tornar base para a reeleição de Lula em 2006, é um trunfo importante? Seriam esses programas uma resposta ao que a senhora chama de "sociedade de bem-estar", na qual o Estado faz parcerias com empresas e ONGs para a criação de empregos - desobrigando-se do salário-desemprego- e para projetos de educação e saúde, excluindo a idéia entre justiça social e igualdade socieconômica?
Marilena: A política brasileira é muito instável. O sistema partidário e o sistema eleitoral - que precisariam ter tido uma reforma profunda - favorecem indefinições, oscilações muito rápidas. Por isso, acho muito cedo para qualquer avaliação das próximas eleições. Não falei de "sociedade do bem-estar" e sim do Estado do Bem-Estar Social, que é o Estado da social-democracia européia. Também não falei de parcerias com empresas e ONGs e de desobrigação do salário-desemprego. Isso caracteriza a chamada "terceira via", proposta pelo Partido Trabalhista Inglês, com Blair. Falei do Estado do Bem-Estar Social como uma política referente à direção dada pelo Estado aos fundos públicos, uma parte dirigida à reprodução da força de trabalho, por meio do salário indireto ou dos direitos sociais, e outra dirigida a subsídios e investimentos do capital. Não está em curso, no governo Lula, nem a forma clássica da social-democracia, nem a terceira via. Há alguns estudos sendo feitos, muito interessantes, sobre os efeitos sociais, econômicos e culturais do Bolsa-Família em algumas regiões do país, particularmente quanto à nova situação das mulheres. Vale a pena ver isso. Quanto à educação, que eu conheço melhor, está longe da social-democracia, da terceira via e do neoliberalismo. O Fundeb, o Prouni, o Proeja, o texto da reforma universitária elaborado pelo MEC a partir de discussões e debates nacionais com todas as entidades, o processo de interiorização das universidades públicas - com a criação de novas universidades federais -, as verbas destinadas às escolas públicas em todos os níveis, a abertura de concursos públicos para ampliação da rede de ensino superior etc., assinalam uma política de cidadania e, sobretudo, de controle público sobre as empresas privadas de ensino em todos os níveis.

Valor: O discurso de esquerda pode continuar prometendo a criação de emprego, mesmo diante de um novo capitalismo, que não tem mais a capacidade de gerar emprego, e no qual o trabalhador não é mais uma categoria social?
Marilena: Não se trata de prometer emprego e sim de lutar por ele. Não se trata de lutar por emprego na forma atual da acumulação do capital, pois essa forma opera com desemprego estrutural. Portanto, não se trata de lutar por emprego, sem considerações, e sim de compreender as novas formas assumidas pelo trabalho a partir do momento em que o capital, subsidiado pelo Estado, dá um salto tecnológico sem precedentes e modifica a organização social do trabalho. Menciono, assim, três efeitos. Primeiro, a rotatividade e a obsolescência vertiginosa da força de trabalho. Segundo, a dispersão e a fragmentação da produção, alterando as relações entre os trabalhadores e o local de trabalho - relação que foi decisiva no período industrial para a consciência de classe , organização sindical e lutas populares. Por fim, a mudança da inserção do trabalho intelectual no modo de produção, uma vez que a ciência se tornou força produtiva direta. É preciso distinguir a luta pelo trabalho, no longo prazo, e a luta pelo emprego, no curto prazo.

Valor: Como se dá essa diferença?
Marilena: A luta pelo trabalho, no longo prazo, não pode ser separada da questão salarial e da jornada de trabalho, nem dos direitos sociais - portanto, da direção dada aos fundos públicos para assegurar tais direitos -, nem da discussão da exploração do trabalho e do trabalho alienado. No caso do Brasil, país de capitalismo periférico, a questão do trabalho envolve todos os aspectos acima mencionados, mas, no curto prazo, envolve ainda três outros. Primeiro, as políticas sociais de distribuição da renda, como a reforma tributária; as políticas econômicas de justiça social, como a reforma agrária; o subsídio estatal à micro-empresa; a política educacional de garantia dos direitos da infância e da adolescência, como condições econômicas para assegurar a escolaridade de boa qualidade, a manutenção de crianças e jovens na escola e a reforma do ensino básico e do ensino superior. Em seguida, o emprego como forma de transferência de renda para diminuição das desigualdades sociais. Um terceiro aspecto é o emprego como forma de inserção social, que leve a uma luta por novas condições do trabalho.

Valor: Mas qual é o espaço do trabalhador no contexto contemporâneo e das organizações que dessa classe emanam, como os sindicatos?
Marilena: Quando Milton Friedman e Friedrich Hayek propuseram o que ficou conhecido como neoliberalismo, a justificativa dada foi a atribuição do déficit fiscal ao Estado do Bem-Estar Social, que teria sido implantado, graças ao poder dos trabalhadores e dos sindicatos, na social-democracia. Propuseram, portanto, uma política econômica que quebrasse a força dos sindicatos e das organizações dos trabalhadores. Por outro lado, como se sabe, o Estado do Bem-Estar se caracterizava por dar duas direções aos fundos públicos, uma parte dirigida ao capital e outra para os direitos sociais, como educação, saúde, moradia, férias, salário-desemprego, transporte etc., criando o salário indireto. Essa forma do salário desatou o laço que prendia o capital ao salário e que determinava o ritmo e o grau do desenvolvimento tecnológico. O salário indireto, que desatou o laço entre capital e salário, teve dois efeitos. Primeiro, o dinheiro deixou de ser o valor que servia para a equivalência de mercadoria e se tornou moeda, donde o monetarismo e o predomínio do capital financeiro. E depois, permitiu um desenvolvimento tecnológico sem precedentes na história. Mas o capital não tinha liquidez para tanto e precisou da quase totalidade dos fundos públicos ou investimentos estatais. O que só foi possível abolindo o Estado do Bem-Estar e introduzindo a forma neoliberal da economia e da política. Na economia, introduziu a desregulação e o fim da forma industrial fordista, isto é, a economia pós-industrial. Na política, introduziu o corte dos fundos públicos destinados aos direitos sociais, dirigindo-os ao capital. Juntas, economia e política produziram o encolhimento do espaço público dos direitos e o alargamento do espaço privado dos interesses de mercado. As novas tecnologias produziram sobre a organização do trabalho os efeitos que já mencionei e quebraram a força e o significado dos sindicatos. E não só deles, mas também afetou os movimentos sociais e populares de lutas por direitos.

Valor: Quais são as alternativas?
Marilena: Como não sou vanguardista e sou crítica da idéia de "consciência vinda de fora", segundo a qual os intelectuais de vanguarda trazem aos trabalhadores a "boa e correta consciência" e a "boa e correta organização", recuso-me a dizer o que os trabalhadores devem fazer para se organizar nessa nova forma do capital. O MST, os jovens franceses filhos de imigrantes, os jovens franceses contrários à lei do emprego proposta pelo governo francês, os movimentos sociais e populares que derrubaram Berlusconi na Itália, e muitos outros fatos que poderiam ser enumerados, indicam que há uma busca de formas de organização e de luta em curso.

Valor: Ainda é possível pensar a esquerda a partir das teorias marxistas, com uma classe trabalhadora tão enfraquecida?
Marilena: Você pode notar que tudo o que eu disse até agora é marxista. Portanto, o marxismo não precisa de uma classe trabalhadora fortalecida para analisar a realidade. Ao contrário. Historicamente, as análises marxistas visaram fortalecer movimentos operários em refluxo ou ainda não constituídos. É preciso compreender um aspecto da análise de Marx que, em geral, as pessoas desconsideram: Marx afirmou que, no modo de produção capitalista, a burguesia, ou qualquer forma que assuma a classe dominante, e o proletariado, ou qualquer forma que assuma a classe trabalhadora, não são os sujeitos históricos, pois o sujeito histórico é o capital, do qual as classes sociais são suportes. Portanto, a análise marxista se interessa pela ação do sujeito capital e pelos efeitos desse sujeito sobre os seus suportes sociais. Procurei, de maneira muito breve e sumária, assinalar a forma atual assumida pelo sujeito histórico capital. Quanto aos intelectuais de esquerda e aos intelectuais progressistas brasileiros, são eles que têm feito as análises sobre a gênese e a forma atual do capital. São eles que têm feito a crítica da ideologia pós-moderna. São eles que têm feito a crítica da ideologia da "sociedade do conhecimento", analisando as novas formas do poder do capital quando a ciência se torna força produtiva e quando as novas tecnologias, particularmente a digital e a multimídia, conduzem à oligopolização global dos centros de decisão e de poder sobre o conhecimento e a informação. São eles que estão no Fórum Social Mundial.

Valor: Voltando ao que disse agora sobre os intelectuais de esquerda diante do cenário atual. Criou-se um grande debate em torno da idéia do silêncio dos intelectuais. A tese era que progressistas teriam perdido a capacidade de julgar.
Marilena: Quanto ao silêncio dos intelectuais, o curso organizado pelo Adauto Novaes, para comemorar 20 anos de cursos organizados por ele, abertos ao público brasileiro, teve como título "O Silêncio dos Intelectuais". Esse título foi decidido por uma grupo de discussão em abril de 2004 - portanto, sem qualquer relação com a crise política que iria acontecer no Brasil em 2005. Eu fiz a conferência de abertura e meu tema foi uma pergunta: O intelectual engajado estaria desaparecendo? Tratei do silêncio dos intelectuais a partir da transformação da ciência em força produtiva, da oligopolização e centralização do conhecimento e da informação; da perda do espaço de pesquisa e de reflexão crítica pelas universidades, reduzidas à escolarização; da ideologia pós-moderna - que aceita a acronia e atopia ou a desaparição dos referenciais de espaço e tempo, produzida pela nova forma do capital e pelas tecnologias eletrônicas e digitais; que faz o elogio narcisista da intimidade, aceitando o encolhimento do espaço público e o alargamento do espaço privado instituído pelo neoliberalismo; que aceita o mercado fugaz e efêmero da moda como padrão para a cultura etc. Procurei mostrar também que a palavra "intelectual", introduzida por Zola, na França, no século XIX, a propósito do caso Dreyfus, significa o artista, o pensador, o professor, o escritor que falam em público. Ou seja, intelectual é aquele que fala em público em defesa de uma causa universal, fazendo a crítica dos poderes constituídos, propondo uma transgressão da ordem dada, realizando uma reflexão sobre a política e a cultura etc. Portanto, a expressão "silêncio dos intelectuais", em si mesma, é contraditória, pois quando um artista ou um pensador estão em silêncio, não são intelectuais. Como você vê, isso nada tem a ver com a crise brasileira de 2005. E, diga-se de passagem, se você pegar jornais, revistas, vídeos ou DVDs de programas de televisão, CDs de programas de entrevistas nas rádios e o que circulou diariamente na internet, a última coisa de que se pode falar, no Brasil de 2005, é de silêncio dos intelectuais. Nunca falamos tanto.

Não é um bicho-de-sete-cabeças

Por causa de leituras sobre filosofia e metodologia da economia, li no fim de semana passado a introdução e a primeira parte da Crítica da Razão Pura. Nunca lera nada de Kant e confesso que o título do livro me assustava um pouco. Adorei. Se considerarmos que se trata de texto filosófico do século XVIII, até que é bem compreensível. Nada da obscuridade dos picaretas pós-modernos. O primeiro período da introdução não poderia começar de forma mais direta: "De que todo o nosso conhecimento começa com a experiência não há dúvida alguma, pois, do contrário, por meio do que a faculdade de conhecimento deveria ser despertada para o exercício senão através de objetos que tocam nossos sentidos e em parte produzem por si próprios representações, em parte põem em movimento a atividade do nosso entendimento para compará-las, conectá-las ou separá-las e, desse modo, assimilar a matéria bruta das impressões sensíveis a um conhecimento dos objetos que se chama experiência?" Já tinha lido sobre Kant por comentadores, mas gostei muito da fonte primária. Próximo passo no estudo da teoria do conhecimento: continuar com Kant e retroceder ainda mais (no tempo, digo) para Hume.

sexta-feira, maio 05, 2006

Sob o signo da polêmica

Com algum atraso, reproduzo aqui matéria minha publicada no Valor há alguns dias sobre astrologia nas universidades. O professor Tambosi já a tinha gentilmente republicado no blog dele. Mais pra frente vou publicar a íntegra da entrevista que fiz com o físico Jean Bricmont, da Universidade de Louvain, na Bélgica.


Alguém duvida de que a campanha presidencial vai ser acirrada, mesmo com o favoritismo de Lula? E de que o Brasil precisa coordenar de forma racional os recursos de que dispõe para superar as dificuldades? Seria preciso recorrer aos astros para chegar a essas conclusões? A resposta a essa última pergunta tende a ser negativa, já que poucos analistas discordariam das duas primeiras, da lavra de uma astróloga - baseadas na suposta influência dos astros em nossas vidas. Segundo os críticos, essa é uma típica "previsão" da astrologia: puro "non-sense", tolice.Mas, mesmo com as restrições da grande maioria da comunidade acadêmica, que a considera uma "pseudociência", a astrologia tem conseguido furar o bloqueio. Algumas instituições de renome, como a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), têm oferecido cursos de astrologia, em nível de extensão. O professor Ricardo Lindemann, do Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais (NEFP), da UnB, reclama que há muito "preconceito" porque as pessoas não sabem o que é a astrologia. Ao aplicar algumas "regras da astrologia", os pesquisadores do NEFP teriam conseguido identificar, com 100% de acerto, um grupo de alunos que fariam vestibular em poucos dias de um outro grupo que não faria as provas, com base em seus mapas astrais, que teriam acusado um momento de "definição profissional".Adepto do anarquismo metodológico de Paul Feyerabend, o professor Paulo Araújo Duarte, do departamento de geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), considera a astrologia um "campo do conhecimento humano" como qualquer outro. Para ele, o conhecimento popular pode ser uma "alavanca para o conhecimento científico e jamais deve ser desconsiderado. O que eu não gosto é da arrogância e do preconceito de cientistas com relação ao que não é rotulado como ciência".Mas a reação não tardou. Em sua página pessoal na internet, o diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, pediu o fechamento da UnB. Formado e pós-graduado em matemática, ele não faz rodeios: "Isso é picaretagem".O filósofo Orlando Tambosi, da UFSC, concorda. "Ensinar pseudociências numa universidade contraria os mais caros princípios de uma instituição universitária. Desde sua origem, as universidades se dedicam à geração e difusão de conhecimento nas ciências, na filosofia, nas engenharias e nas artes", afirma. "É tão absurdo quanto ensinar o criacionismo nas escolas", dispara o astrônomo da Universidade de São Paulo, Augusto Damineli. Segundo ele, a astrologia está mais para religião do que para ciência. "Astrologia não é ciência, nem arte, nem outra atividade com corpo de conhecimento objetivo estabelecido."As restrições dos cientistas são muitas, a começar pela configuração celeste que os astrólogos usam. Durante o ano, o Sol percorre um determinado caminho no céu, chamado de eclíptica, tendo as constelações como pano de fundo - elas formam o zodíaco. Uma pessoa será de Sagitário, por exemplo, se o Sol estava percorrendo aquela constelação quando do seu nascimento.Ocorre que os astrônomos descobriram que o Sol passa não por 12, mas por 13 constelações em um ano - das 88 existentes. Na Antigüidade já se conhecia Ofiúco, mas ela ficava longe da eclíptica. No período de quase 3.000 anos, o movimento de precessão do eixo de rotação da Terra (tipo um peão cambaleando), acabou fazendo com que o Sol passasse rapidamente por Ofiúco. Essa constelação fica entre Escorpião e Sagitário - de 30 de novembro a 17 de dezembro. "Sim, é isso mesmo, muitos de nós somos do signo de Ofiúco e, felizmente, isso não tem a menor importância", provoca o físico Paulo Bedaque. Paulo Duarte lembra que a divisão do zodíaco em 12 signos é puramente arbitrária e segue apenas a tradição dos povos antigos.Outro questionamento-chave dos astrônomos é que a influência da força gravitacional dos corpos celestes sobre nós é desprezível - com exceção dos efeitos óbvios da luz do Sol como fonte de energia. Nessa seara, uma das crenças mais comuns é o da suposta influência da mudança da Lua nos nascimentos de bebês. O raciocínio parece ser o seguinte: se a Lua é capaz de interferir nos movimentos dos oceanos, então seria natural que o mesmo acontecesse com corpos menores.O astrônomo Fernando Lang da Silveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera esse um argumento aparentemente "persuasivo", mas totalmente falso. A Lua e o Sol realmente influenciam as marés porque o tamanho da Terra não é desprezível em relação às distâncias até a Lua e até o Sol: as marés ocorrem porque os oceanos são grandes o suficiente para sofrerem a ação da gravidade de forma diferente em diferentes pontos. Ou seja, o tamanho e a distância importam - e muito. Por isso, não há efeito de maré num pequeno lago ou mesmo no útero de uma gestante - já que todos os pontos desses ambientes estão praticamente à mesma distância do Sol e da Lua. "O obstetra que realiza o parto de uma criança exerce uma atração gravitacional sobre ela seis vezes maior do que o planeta Marte", exemplifica o astrônomo Kepler Oliveira Filho, da UFRGS. O filósofo Osvaldo Frota Pessoa Jr., da USP, resume que a astrologia não é ciência porque "contradiz as teses principais da ciência atual".A polêmica suscita a inevitável e espinhosa discussão do que vem a ser ciência. Depois das batalhas entre as muitas correntes epistemológicas do século XX, a maioria dos especialistas neste começo de século concorda que não há uma definição acabada. Damineli explica, entretanto, que as várias ciências têm, cada uma delas, "um determinado corpo de fenômenos [naturais, sociais ou individuais], que podemos chamar de base empírica, têm um corpo de princípios, que podemos chamar de pressupostos teóricos que delimitam as condições de aplicabilidade e metodologia para ligar a base empírica ao campo teórico, para prever situações ainda não exploradas e para testar se são verdadeiras ou falsas". Pessoa Jr. complementa que a ciência envolve teses que precisam ser testadas empiricamente, cujos resultados são submetidos à apreciação de outros cientistas. "É este consenso que falta em relação à astrologia." Tal controle pelos pares funcionou recentemente no caso do sul-coreano Woo-suk Hwang, que teria feito a primeira clonagem de células-tronco embrionárias humanas, que não passou de uma fraude.Engenheiro por formação, Lindemann e o ex-coordenador do NEFP, Paulo dos Reis Gomes, defendem o status de ciência para a astrologia. Segundo Lindemann, os estudos do NEFP seguem a metodologia científica da observação, hipóteses, experimentação e tese (generalização). E que os resultados, medidos de forma estatística, revelam que as posições dos astros interferem na vida das pessoas. Mas ele admite que essa interferência pode não ser creditada à gravidade, mas a uma outra força ainda "desconhecida pela ciência. Se não estudarmos, não descobriremos", justifica.Considerando equivocada a decisão da UnB, o físico Jean Bricmont, da Universidade de Louvain, na Bélgica, propõe um desafio aos astrólogos: "Peça aos defensores da astrologia para fazerem uma porção razoável de previsões, num experimento controlado, cujo resultado seja melhor do que o acaso. Cientistas fazem isso o tempo todo. Se eles não passarem no teste, por que nós deveremos acreditar neles? E se não podemos acreditar neles, por que deveríamos ensinar o que dizem?" Bricmont ficou mundialmente conhecido ao escrever, com Alan Sokal, o livro "Imposturas Intelectuais", que solapou o discurso pós-moderno de alguns filósofos que abusavam de metáforas científicas sem cabimento.O lógico Newton da Costa, ex-professor da USP e hoje na UFSC, até admite o estudo de astrologia em universidades, desde que tratada como "fenômeno social". Mas ele nega o status de ciência, já que os astrólogos alegam que o que fazem é verdade absoluta; já a ciência, ao contrário do senso comum, trata com outros conceitos de verdade, sempre submetida à checagem. "Enquanto a ciência pode ser reproduzida, cinco astrólogos podem fazer previsões diferentes sobre o mesmo tema."Tambosi chama a atenção para um ponto negligenciado: o relativismo que grassa nas ciências humanas e sociais, na maioria das universidades brasileiras, acaba por abrir as portas para o esoterismo. "Se tudo é relativo, se tudo é reduzido a discurso ou texto, desaparece a questão da verdade. Todos os 'textos' estão em pé de igualdade. Assim, uma teoria científica tem o mesmo valor de um discurso do papa ou de uma carta astrológica." Tudo isso poderia parecer restrito às arengas acadêmicas e crenças pessoais, mas não é assim. Algumas empresas recorrem a meios como astrologia, grafologia e numerologia, na seleção e gestão de pessoal. O professor Thomas Wood Jr., da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que as empresas procuram "placebos" para solucionar problemas reais ou imaginários, "soluções que trazem conforto emocional. A gestão é tão amadora que qualquer mapa serve, até um mapa astral".

quinta-feira, maio 04, 2006

Coincidência

Comprei A Sociedade Afluente, há duas semanas, por dez reais, naquela livraria que tem lá no prédio da editora Globo. Dias depois, vi que JK Galbraith morreu, aos 97 anos. Keynesiano de prosa boa, o economista causava inveja nos seus pares por escrever muito e bem. Mas não chegou a deixar nenhuma grande contribuição original em teoria econômica. Foi mais um comentador, um crítico atento às mazelas do capitalismo moderno.