quarta-feira, novembro 01, 2006

Tudo o que eu queria dizer está resumido aqui

Há uns dias eu vinha pensando, nas poucas horas de folga, em algumas idéias para um artigo que juntasse eleições e a crítica da imprensa que alguns jornalistas governistas estão fazendo. Mesmo ganhando com 60% dos votos, eles reclamam da imprensa. Ou melhor, da Veja. Querem unanimidade; a aprovação unânime da administração do apedeuta. Tristes trópicos; aliás, bananão.
Agora, não preciso ter o trabalho de escrever mais nada. Está tudo aqui no artigo excelente de Gustavo Ioschpe. Simplesmente, perfeito.



Gustavo Ioschpe
Perversões da democracia
A função de todo sistema político é maximizar o bem-estar de seus cidadãos. A premissa da democracia é que ninguém melhor do que o próprio cidadão para julgar o que é melhor para si, e que da agregação das vontades individuais cumprir-se-á a vontade coletiva.

Nas democracias modernas, as vontades são expressas em voto e seus artífices são os eleitos. Para que o processo seja justo e atinja seus objetivos, são necessárias algumas condições. O eleitor precisa saber o que ocorre e o que cada candidato defende (informação) e precisa conseguir analisar esse conhecimento para julgar qual proposta será mais condizente à consecução de seu ideal de país (formação).
Em um país como o Brasil, em que o acesso à informação é precário e a capacidade de julgamento é prejudicada pelo baixo esclarecimento da maioria da população, três quartos dos cidadãos não são plenamente alfabetizados -a tentação de usar as limitações da democracia para solapá-la são enormes.
Em particular há duas tentações: a de sacrificar o futuro pelo presente e a de sacrificar a minoria pela maioria. Creio que o governo que acaba de ser reeleito comete ambos os abusos. Os paliativos oferecidos aos pobres são financiados por um aumento do peso do Estado, que tende a fazer com que o subdesenvolvimento perdure. Os pobres que recebem a ajuda não sabem disso, mas os governantes, sim.
Não apenas a pobreza de amanhã financia a de hoje, como se criou uma cultura de ressentimento e vilanização dos que pensam diferente. Quem aponta a nudez do rei é visto como elitista. Quem cobra a eficiência da gestão pública é tachado de privatista. Quem discorda da imposição de critérios raciais na orientação de políticas públicas é racista. Quem denuncia que o presidente bebe é expulso do país. Quem acredita que o respeito à lei e às instituições é um dever que voto nenhum pode alterar virou golpista. Os adversários políticos que não se vendem serão destruídos por dossiês criminosos.
A democracia está sendo solapada pela desqualificação do contraditório, pelo achincalhamento dos mecanismos de controle do Executivo da imprensa ao Congresso. Pão e mensalão: a receita da pax lulista.
Esse meio é seu próprio fim. O poder que corrompe é usado a serviço da manutenção do poder. Ninguém acredita que o Bolsa Família diminuirá a pobreza. É uma política sem finalidades que não a sua perpetuação. Os que crêem que o petismo morre com Lula são os que acreditaram que o mensalão decretava seu fim. As engrenagens que descosturam nossa fibra democrática estão a pleno vapor.
Assim é também porque os oposicionistas sacrificam o respeito às instituições por votos. Se continuar assim, a justiça econômica advirá da socialização da pobreza, a igualdade social virá por decreto e o processo eleitoral se transformará em mero simulacro de uma democracia que, por vontade popular entronizará a maravilha da brasilidade mantendo inalterado esse caloroso atoleiro em que nos transformamos.

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