No sábado, fui ao almoço de aniversário do amigo e coleguinha de profissão Maurício Oliveira, no Ribeirão da Ilha, um ugar horroroso, à beira-mar, no sul de Florianópolis. Como a mesa foi ficando grande (sim, o Maurício é um cara muito popular), só consegui conversar com os mais próximos.
O também amigo e coleguinha Carlito sentou na minha frente e conversamos um bocado. O cara está concluindo a graduação em História; sabe como é, decidiu estudar de verdade depois de ter feito jornalismo (brincadeira; acho que aprendemos muito na baiúca da UFSC).
Carlito é um cara que se esforça para fugir dos lugares-comuns ideológicos, dos chavões, das idéias pré-concebidas. Digo "se esforça" porque não é uma coisa fácil. A gente tende sempre ficar repetindo um monte de asneiras que nos sopraram a vida inteira, principalmente se elas forem politicamente corretas.
Não sei como começamos a falar de escravidão e de como o tema está relacionado com racismo - pelo menos para nós aqui. Ou seja, negros bonzinhos escravizados por brancos malvados - o que parece compreensível. Ocorre que os negros comprados na África eram escravizados lá mesmo por tribos vencedoras de guerras tribais. A conotação racial foi feita aqui.
Calma, calma; não se trata de revisionismo histórico, não. A escravidão ocorreu e ninguém está a negar os fatos abomináveis. Entretanto, Carlito citou alguns autores que tratam do processo de vitimização dos escravos. Sim, eles foram maltratados, mas viviam eles em condições piores do que os trabalhadores europeus durante a Revolução Industrial?
Em muitos casos, não. Havia, por exemplo, limites para o castigo físico. Os senhores que se excediam no castigo eram malvistos pelos demais. É claro que para nós, hoje, isso soa como sandice, mas era o que havia naquela época; não eram absolutamente bárbaros, só um pouquinho.
Outra coisa fundamental colocada pelo Carlito: como não tinham o conceito de África, os negros não poderiam se considerar africanos. Essa relação de identidade lhes foi dada por nós que, de forma preconceituosa (agora, sim), víamos a todos como iguais por causa da cor da pele. Uma bobagem, já que as tribos se digladiavam.
Carlitão falou ainda de uma certa resistência, nas chamadas ciências sociais, em relação à ciência de verdade (essa expressão é minha, não Carlito), mas isso é uma conversa mais longa.
Enfim, uma sacudida no senso comum de vez em quando faz um bem danado.
Um comentário:
Os estudos sobre escravidão tem sido muito ricos desde os anos 1980/90, quando alguns pressupostos que limitavam os estudos anteriores passaram a ser questionados e revistos. O principal deles é uma tendência a um excessiva vitimização dos escravos e dos negros. Historiadores dos Estados Unidos e do Brasil têm produzido grandes contribuições para compreender melhor a África e a escravidão, sem se deixar subordinar à luta política anti-racista - o que não quer dizer que se oponham ao anti-racismo. Das áreas que tomei contato durante o curso de graduação, arrisco a dizer que é ali onde se faz mais ciência. Claro que sempre é preciso separar o joio do trigo.
Postar um comentário