quarta-feira, setembro 26, 2007

Genial

Texto de Cláudio Angelo, editor de ciência da Folha de S. Paulo. Uma mostra de que há vida inteligente no jornalismo brasileiro. Não poupa as bobagens pós-modernas e politicamente corretas.



Tive o desprazer de conversar com Richard Dawkins apenas duas vezes na vida. É um sujeito antipático, pedante e de uma intolerância insuportável. Exatamente o oposto da personalidade que se espera encontrar em alguém cuja profissão de (ops!) fé é levar a ciência ao grande público. E que é, goste-se ou não dele, um dos intelectuais mais brilhantes que a seleção natural já produziu.

Talvez essa certeza de superioridade, que transborda nos escritos do biólogo britânico, explique em parte por que Dawkins é tão vilipendiado pelos ditos intelectuais "de esquerda" e "culturalistas", para não falar nos (credo!) pós-modernos. Essa patota não hesita em pichá-lo de darwinista bitolado que não consegue enxergar nada além de genes egoístas tramando a destruição do livre-arbítrio humano.

São poucos, no entanto, os que terão notado a seguinte passagem no clássico dos clássicos de Dawkins, "O Gene Egoísta", de 1976: "Para compreender a evolução do homem moderno, nós devemos começar jogando fora o gene como a única base das nossas idéias sobre a evolução". Os que notaram talvez a tenham creditado a um erro de edição. Ou, na obsessão por afastar o cálice da biologia dos lábios sacrossantos do comportamento humano, resolveram simplesmente varrê-la para baixo do tapete e seguir atirando no mensageiro.

Dawkins tem pago o preço de sua honestidade intelectual desde então. "O Gene Egoísta" foi publicado apenas um ano depois de o também zoólogo Edward Osborne Wilson, de Harvard, ter despertado a fúria da "ciência marxista" (acredite, isso já existiu) com a publicação de "Sociobiologia", a primeira obra a dizer com todas as letras (e sem muito tato) que o comportamento humano poderia ser explicado pela seleção natural darwinista.Embora hoje isso seja óbvio em certa medida -dado que o comportamento é produto do cérebro e o cérebro é objeto de seleção natural-, Wilson foi chamado de porco nazista.

Ao dar munição à sociobiologia com suas idéias sobre genética, Dawkins também virou alvo. O máximo expoente da "biologia dialética", Richard Lewontin, chegou a deturpar uma passagem de "O Gene Egoísta". Onde Dawkins dizia "eles [os genes] nos criaram, corpo e mente", Lewontin enxertou "eles nos controlam, corpo e mente". Até hoje não se desculpou por isso.

Com "Deus, um Delírio", o zoólogo britânico volta a atrair detratores, de ambas as extremidades do espectro político, de todas as cores e -principalmente- credos. Seu único crime terá sido meter a mão num vespeiro (a religião) para o qual os cientistas têm insistido em dar as costas, enquanto dele esvoaçam sem cessar fanáticos do calibre de Osama Bin Laden e George W. Bush. Dawkins esnoba os críticos. Ele sabe que o "meme" darwinista triunfa, e que a luz já foi lançada sobre o mistério da existência humana.

Nenhum comentário: