Texto de Cláudio Angelo, editor de ciência da Folha de S. Paulo. Uma mostra de que há vida inteligente no jornalismo brasileiro. Não poupa as bobagens pós-modernas e politicamente corretas.
Tive o desprazer de conversar com Richard Dawkins apenas duas vezes na vida. É um sujeito antipático, pedante e de uma intolerância insuportável. Exatamente o oposto da personalidade que se espera encontrar em alguém cuja profissão de (ops!) fé é levar a ciência ao grande público. E que é, goste-se ou não dele, um dos intelectuais mais brilhantes que a seleção natural já produziu.
Talvez essa certeza de superioridade, que transborda nos escritos do biólogo britânico, explique em parte por que Dawkins é tão vilipendiado pelos ditos intelectuais "de esquerda" e "culturalistas", para não falar nos (credo!) pós-modernos. Essa patota não hesita em pichá-lo de darwinista bitolado que não consegue enxergar nada além de genes egoístas tramando a destruição do livre-arbítrio humano.
São poucos, no entanto, os que terão notado a seguinte passagem no clássico dos clássicos de Dawkins, "O Gene Egoísta", de 1976: "Para compreender a evolução do homem moderno, nós devemos começar jogando fora o gene como a única base das nossas idéias sobre a evolução". Os que notaram talvez a tenham creditado a um erro de edição. Ou, na obsessão por afastar o cálice da biologia dos lábios sacrossantos do comportamento humano, resolveram simplesmente varrê-la para baixo do tapete e seguir atirando no mensageiro.
Dawkins tem pago o preço de sua honestidade intelectual desde então. "O Gene Egoísta" foi publicado apenas um ano depois de o também zoólogo Edward Osborne Wilson, de Harvard, ter despertado a fúria da "ciência marxista" (acredite, isso já existiu) com a publicação de "Sociobiologia", a primeira obra a dizer com todas as letras (e sem muito tato) que o comportamento humano poderia ser explicado pela seleção natural darwinista.Embora hoje isso seja óbvio em certa medida -dado que o comportamento é produto do cérebro e o cérebro é objeto de seleção natural-, Wilson foi chamado de porco nazista.
Ao dar munição à sociobiologia com suas idéias sobre genética, Dawkins também virou alvo. O máximo expoente da "biologia dialética", Richard Lewontin, chegou a deturpar uma passagem de "O Gene Egoísta". Onde Dawkins dizia "eles [os genes] nos criaram, corpo e mente", Lewontin enxertou "eles nos controlam, corpo e mente". Até hoje não se desculpou por isso.
Com "Deus, um Delírio", o zoólogo britânico volta a atrair detratores, de ambas as extremidades do espectro político, de todas as cores e -principalmente- credos. Seu único crime terá sido meter a mão num vespeiro (a religião) para o qual os cientistas têm insistido em dar as costas, enquanto dele esvoaçam sem cessar fanáticos do calibre de Osama Bin Laden e George W. Bush. Dawkins esnoba os críticos. Ele sabe que o "meme" darwinista triunfa, e que a luz já foi lançada sobre o mistério da existência humana.
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