sábado, janeiro 28, 2006

SC não é mais aquela

O Multifário me incitou a falar de temas de SC. Como ando afastado há muito tempo, só posso comentar o que leio nos jornais - apesar de não confiar em jornalistas.
Matéria do Diário Catarinense de sexta-feira:

Ocorrências no Litoral ganha destaque na imprensa de Buenos Aires
A família de H. é a vítima mais recente de uma onda de assaltos contra turistas latinos que passam férias no Litoral de Santa Catarina.

Do início do mês até ontem, aconteceram pelo menos outros seis casos do gênero. Em um deles, ocorrido na Praia de Mariscal, em Bombinhas, no Litoral Norte, os bandidos renderam cinco famílias de turistas argentinos de uma só vez. Ao todo, 17 pessoas foram presas dentro de casa. Os marginais roubaram telefones celulares, câmeras fotográficas digitais e US$ 2,5 mil (R$ 5,7 mil). Em depoimento à Policia Civil, os turistas disseram ter sido torturados pelos assaltantes. Até ontem, nenhum assaltante havia sido preso.
Em Garopaba, no Litoral Sul, do último sábado até ontem, três famílias de argentinos foram presas dentro de casa por bandidos. Em um dos casos, os marginais renderam 13 pessoas de uma só vez para roubar jóias, relógios, malas, mais dólares e reais.
O delegado Anibal Geremias, da Delegacia de Polícia de Garopaba, disse ontem que "a polícia já tem suspeitos dos assaltos".
- Temos policiais que vieram de Florianópolis só para investigar estes casos - disse.

Já tratei aqui do problema da violência na cidade onde nasci, Araranguá, no Sul de SC. O meu grande amigo Giancarlo acha que se trata de um efeito estatístico: onde não há violência, um assassinato vira um acontecimento.
Concordo, mas é impossível negar que a violência está se tornando um problema no estado, coisa de dez anos para cá - e parece que aumentando geometricamente.
O estado pouco faz. Estou convencido que com o modelo de federação que temos hoje não permite que os estados façam mais do que administrar o caixa e pagar o funcionalismo público. Mas em alguns casos essa inércia é ainda mais preocupante, como no caso da Secretaria de Segurança Pública da nossa Santa e Bela Catarina. É preciso que os estados fiquem com uma parcela maior da arrecada e tenham mais autonomia administrativa. Daí, os governos não vão poder reclamar de falta de dinheiro e terão que admitir sua inépcia.
A violência vai atrapalhar o turismo em SC? Bom, se no Rio de Janeiro, onde o estado está como a camada de ozônio - cada dia menor, mais cheio de buracos - os turistas parecem não arredar pé, muito menos em SC, cujos índices de violência são de dar risadas se comparados com a decadência carioca. Mas que dói no coração ver que a gente já não pode mais ficar tranqüilo em praias lindas - e outrora sossegadas - como Garopaba e Mariscal, ah isso dói!

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Abraçando a ciência

O Valor publicou hoje um artigo do economista americano Jeffrey Sachs com o título acima. De certa forma, o artigo trata de um tema largamente discutido no imperdível blog do Tambosi (O Iconoclasta, link ao lado): a diferença entre ideologia e ciência. Em resumo, Sachs diz os governos se limitam às disputas eleitorais e esquecem de resolver os problemas práticos da população, para o que a ciência é de grande valia. Os governos não consultam os cientistas, certamente convictos de seu poder quase sobrenatural - vide um certo país sul-americano de língua não espanhola.

Sachs trata da África, onde a maior parte da população padece dos piores índices de desenvolvimento. O artigo está aqui embaixo, mas, para quem não tiver paciência de lê-lo, aqui está o último parágrafo: "chegou a hora de admitir que os governos estão mal preparados para compreender os desafios e as oportunidades tecnológicas sofisticadas diante do mundo, e que novas práticas são necessárias para assegurar que a ciência e a tecnologia recebam a proeminência necessária para lidar com uma vasta gama de problemas globais cada vez mais urgentes. Agora é a hora de cada agência internacional e governo nacional importante assumir a responsabilidade pela conquista do conhecimento científico e tecnológico de que necessitarão no século XXI".


(segue a íntegra)
O progresso econômico de longo prazo decorre principalmente da invenção e da proliferação de tecnologias melhoradas. A revolução científica tornou-se possível em função da prensa tipográfica, a revolução industrial, da máquina a vapor, e a saída da Índia da fome coletiva, em função do aumento da produtividade agrícola - a chamada "Revolução verde". A atual era da globalização surgiu com a proliferação dos computadores e com a internet. Portanto, quando buscamos soluções para os problemas mais agudos do mundo, eles provavelmente também serão encontrados, pelo menos em parte, em novas tecnologias que possam solucionar problemas antigos e aparentemente intratáveis.
Consideremos a pobreza na África. Todas as explicações imagináveis já foram dadas, geralmente centradas no que os africanos fazem de errado. Uma visita às aldeias da África, porém, deixa claro que os problemas têm mais a ver com a luta pela sobrevivência sob condições físicas adversas do que com qualquer tipo de problema especial exclusivo das sociedades africanas.
Os agricultores africanos produzem praticamente um terço ou menos de alimentos por hectare de terra agricultável em comparação com seus pares ao redor do mundo, resultando em fome em massa, que é exacerbada por uma pesada carga de doenças. A malária representa um desafio inigualável, em grande parte devido às variedades de mosquito existentes na África, que são especialmente competentes em transmitir a doença. Outras doenças parasíticas tropicais envolvem fardos igualmente extraordinários na África. Acrescentemos a isso as dificuldades práticas das rodovias destruídas e os poucos carros e caminhões, e o isolamento econômico vem em conseqüência. Portanto, os desafios da sobrevivência são enormes.
Contudo, soluções práticas estão disponíveis, pois as tecnologias simples e de baixo custo podem equacionar problemas específicos. Baixas taxas de produtividade agrícola podem ser solucionadas por meio de variedades melhoradas de grãos, especialmente adaptadas para as condições africanas, combinadas com tecnologias para recuperar o solo e gerenciar a água. A malária pode ser controlada por meio de redes de mosquito resistentes recém-projetadas e por uma nova geração de medicamentos eficazes. Outras doenças tropicais também podem ser controladas, e tecnologias práticas para a obtenção de água potável segura podem reduzir dramaticamente as moléstias diarréicas. Telefones móveis, redes de internet sem fio e mais rodovias asfaltadas podem contribuir em muito para romper o isolamento econômico das aldeias africanas.
Países doadores pedem incessantemente que os africanos alterem as suas políticas comerciais, suas instituições governamentais, sua administração pública, e mais. Algumas dessas mudanças são importantes, porém o papel dos países ricos ficou assimétrico, concentrando-se em tudo, exceto nas formas de financiar e implementar tecnologias práticas para solucionar problemas práticos. O erro dos países ricos não teria importância se os países africanos tivessem dinheiro suficiente para adotar as tecnologias necessárias por si mesmos, porém a África é tão pobre que precisa receber ajuda financeira para escapar da pobreza.
Os desafios de desenvolvimento na África são apenas um exemplo de como problemas complicados de sociedades podem ser tratados através da elaboração e disseminação de tecnologias melhoradas. O mesmo se aplica à forma como o mundo lidará com a mudança climática causada pelo ser humano - outro dos problemas globais aparentemente intratáveis.
Neste momento, os países ricos estão mudando o clima do mundo através da emissão anual de bilhões de toneladas de dióxido de carbono pelo uso do carvão, petróleo e gás natural. Nos anos futuros, a China e a Índia também darão contribuições maciças à elevação do nível do dióxido de carbono na atmosfera. Mas nenhum país, rico ou pobre, está interessado em reduzir o seu uso de energia, devido ao temor de que ao assim agir poderá ameaçar empregos, rendas e crescimento econômico.
As novas tecnologias oferecerão uma parte importante da solução. Nesse momento, os automóveis "híbridos", que combinam gasolina e energia de baterias, podem praticamente dobrar a eficiência dos combustíveis, reduzindo as emissões de dióxido de carbono à metade. Similarmente, engenheiros desenvolveram formas de capturar o dióxido de carbono resultante da queima do carvão em usinas elétricas e armazená-lo seguramente sob o solo. Esta nova tecnologia, chamada de "captura e seqüestro do carbono", pode reduzir em 80% o dióxido de carbono emitido durante a geração de eletricidade. Os custos parecem ser relativamente baixos.
Consideremos também o esgotamento das zonas pesqueiras oceânicas por causa do excesso de pesca. A demanda global pelo consumo de peixe está aumentando e, portanto, aumenta também a capacidade global de pescar peixes, levando algumas espécies à beira da extinção. A aqüicultura aperfeiçoada, na qual os peixes são criados em viveiros e reservatórios artesanais, ainda está longe de ser uma tecnologia perfeita, principalmente por motivos ambientais, porém ela é enormemente promissora.
Em recente visita à África, um destacado cientista agrícola disse que no mundo de hoje o cientista está mais próximo do que nunca do agricultor, porém mais longe ainda do que nunca dos formuladores de política. Os políticos não entendem a ciência, e raramente pedem o conselho de cientistas e engenheiros para tratarem dos temas mais importantes. Tudo é visto como política e votos, não como problemas técnicos que exigem conhecimento tecnológico, o que explica porque a pobreza da África é tão freqüentemente atribuída à corrupção e não aos desafios ecológicos.
É fácil desconsiderar a sugestão de que a tecnologia pode salvar a situação. Afinal, o avanço tecnológico também requer boa governança, forças de mercado, universidades eficientes, e mais. A política continuará exercendo o seu papel.
Mesmo assim, chegou a hora de admitir que os governos estão mal preparados para compreender os desafios e as oportunidades tecnológicas sofisticadas diante do mundo, e que novas práticas são necessárias para assegurar que a ciência e a tecnologia recebam a proeminência necessária para lidar com uma vasta gama de problemas globais cada vez mais urgentes. Agora é a hora de cada agência internacional e governo nacional importante assumir a responsabilidade pela conquista do conhecimento científico e tecnológico de que necessitarão no século XXI.

domingo, janeiro 22, 2006

Pau neles!

Recomendo a leitura da coluna do Elio Gaspari na Folha de hoje. Sobra pra todo mundo. Pau no Lula, que ganha salário de presidente mais a indenização por ter sido preso na ditadura militar, enquanto sua colega chilena Michell Bachelet, que foi torturada, deu uma banana para a indenização oferecida pelo Estado, e o também colega Evo Morales, recém-eleito presidente da Bolívia, vai abrir mão de metade do salário.
Mas também sobrou para o tucano José Serra. Ao visitar um posto de saúde de Cidade Tiradentes, na periferia de São Paulo, o prefeito fingiu que funcionava o aparelho usado para medir sua pressão.
O festival de fingimento e de mascaramento da realidade continuou no Rio de Janeiro (ainda há Estado por lá?). Pra receber o ministro da saúde, o secretário Ronaldo Cezar Coelho mandou instalar aparelhos de ar concidiconado alugados - uma daquelas artimanhas cara-de-pau para fazer fotos e mostrar para a televisão de que as coisas funcionam. E ainda ficou bravo, o farsante, ao ser questionado sobre o aluguel dos aparelhos!
Esses são exemplos dos nossos políticos. Querem se locupletar, não importando se para isso for preciso alterar a realidade ao seu bel prazer. Lembremos disso em outubro.

sábado, janeiro 21, 2006

Coerência basta?

Esta nota é sobre uma discussão das boas que rola no blog do professor Orlando Tambosi, O Iconoclasta (link ao lado). É um comentário meu sobre um outro feito por Aluizio Amorim, cujo blog, O que Pensa Aluizio, também recomendo (link ao lado). Aluizio diz o seguinte:

- Bornhausen é coerente com as suas idéias. E o Brasil precisa de políticos como ele, que não andam por aí mentindo e promovendo um mar de lama de corrupção. Aliás, Bornhausen é o único político que faz uma oposição séria a esse governo pífio dos esquerdóides.

Respeito a posição de Aluizio - que aliás é um cidadão inteligente e muito bem educado -, mas discordo dela. Realmente, Bornhausen é coerente, assim como Stálin e Hitler também foram. Não estou dizendo que o senador é nazista, pelo amor de Deus! Estou dizendo que coerência só não basta; isso por amor à lógica. Ser coerente não é uma virtude capaz de, sozinha, levar o meu voto. Bornhausen foi coerente, sim; sempre apoiou a ditadura, contra a qual todos nós, democratas, nos insurgimos quando as tentativas de aparelhar o Estado são do PT. Pois digo que de liberal o Bornhausen e o seu pefelê não têm nada. São da mesma laia do PT: se apropriam do Estado para interesses privados; sempre foi assim. De repente, parece que as desgraça do PT tem o estranho poder de tornar todo o resto "a salvação da lavoura". Os colegas pefelistas dele são coronelões lá do Nordeste, em cujas fazendas há até trabalho escravo. Exemplo de liberalismo! Digo uma coisa: não há liberais no Brasil; nem pra isso este país presta. O discurso dos pefelês é de o estado mínimo, sim, para que eles, que têm dinheiro, pintem e bordem.
Quanto à corrupção, o banco Araucária, lá do Paraná, que era da família Bornhausen, foi citado umas milhares de vezes na CPI do Banestado como uma das portas de saída do dinheiro ilegal para o exterior.
Concordo só com a afirmação de que Bornhausen é o mais contundente opositor do (des)governo Lula.

[Fumando um Dona Flor Pirâmide - não é um Partagas, mas é melhor do que o Jose Piedra]

Estripulias da nossa Corte

Permitam-me o lugar comum, mas nossos políticos e magistrados são o espelho do que é este brasilzão - assim mesmo, com caixa baixa. Dos políticos, poupo-vos. Tratemos dos doutos ocupantes do Supremo Tribunal Federal. Aliás, não vou tratar disso aqui; apenas recomendo fortemente a leitura do Blog do brilhante jornalista Cláudio Weber Abramo - aliás, o talento parece um traço genético nesta família. Há um link aí ao lado para o blog do Cláudio "A Coisa Aqui Tá Preta" (para o delíro dos politicamente corretos!). Em resumo, o STF está julgando o caso do ex-ministro Ronaldo Sardenberg, acusado de improbidade administrativa por usar um avião da FAB para assuntos particulares ( é muita cara de pau!). Os doutos magistrados estão safando o ex-ministro de qualquer pena, mas não é só isso. O ministro Carlos Velloso, o único a votar contra o relator Nelson Jobim (quem mais poderia ser?), advertiu que, uma vez confirmada a absolvição, ela poderia ser aplicada aos milhares de casos de improbidade administrativa em curso neste bananão - como os de Maluf, Pitta e outros igualmente idôneos. Dêem uma espiada no blogo do Cláudio e vejam porque a coisa aqui tá ficando cada vez mais preta. Com o Executivo roubando, o Legislativo se vendendo e o Judiciário chancelando a bandalheira toda, meus caros, a saída é mesmo o aeroporto.
Em tempo: Sobre a peripécias de Jobim, o homem que fraudou a Constituição, recomendo o blog do professor Orlando Tambosi, O Iconoclasta, também com link ao lado.
[Fumando um Jose L. Piedra corona]

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Minha terra não é mais a mesma

Abaixo, matéria publicada pelo jornal A Tribuna, de Criciúma (SC), editado pelo meu amigo Gladinston Silvestrini, jornalista competentíssimo. A matéria é sobre um jovem bandido que anda barbarizando a periferia da minha cidade natal, Araranguá, que fica a uns 200 quilômetros ao sul de Florianópolis. Araranguá não chega a ter 60 mil habitantes e as pessoas de lá já começam a se preocupar com problemas típicos de cidade grande, como a violência. No Balneário Arroio do Silva, onde minha mãe mora com dois dos meus irmãos, a situação é a mesma. Jovens menores de idade roubando e traficando. O único posto policial de lá tem dois guardas por turno e uma viatura velha. Minha mãe já colocou grades nas janelas e o portão tem que ficar sempre fechado. A pergunta é: se não se tem sossego nem nas pequenas cidades, onde é que nós vamos parar? A saída parece ser mesmo o aeroporto.
Passemos à matéria do repórter Márcio Costa.


A.Q.C., 15 anos, matou mais um

Há pouco mais de um ano, o adolescente A.Q.C., de 15 anos, entrou no mundo do crime. De lá pra cá, ele já matou duas pessoas e tentou assassinar ou-tras duas. As vítimas mais recentes do "matador", como se autodenomina, foram atacadas na casa onde o adolescente mora com a mãe e um irmão, localizada no bairro Polícia Rodoviária, na Zona do Meretrício, em Araranguá. Os pedreiros Claudemir Pinto Maciel, de 27 anos, e Valmir Pinto Maciel, de 41 anos, acabaram atingidos por tiros de revólver calibre 38 após se envolverem, na madrugada de domingo, numa discussão com o garoto. Claudemir morreu no local e seu corpo foi encontrado pela polícia no meio da sala da residência. Seis tiros atingiram a vítima. Valmir está internado em estado grave na UTI do Hospital Regional. Os irmãos não possuem antecedentes criminais. O jovem está sendo procurado pela polícia.Para o promotor da Vara da Infância e do Adolescente de Araranguá, Isaac Sabba Guimarães, a falta de vagas em Centros de Internação Provisória (Cip) do Estado vem contribuindo para que o ado- lescente continue solto. "Já solicitei à Secretaria de Segurança Pública do (SSP) a internação do rapaz. No entanto, fui informado que não existe vaga em nenhum centro de Santa Catarina. Isso é uma calamidade pública", diz. Na tarde de ontem, o promotor aguardava o inquérito sobre o caso ocorrido na Zona do Meretrício, e uma posição quanto à uma vaga no CIP de Tubarão. "Estou esperando resposta da direção do Cip. Mas a chance de obter a internação é mínima", diz. "É provável que ele permaneça, caso seja apreendido, na carceragem de uma delegacia. Este adolescente não pode viver em sociedade." O secretário da SSP, Ronaldo Benedet, afirma que pretende ampliar, ainda este ano, o número de vagas nas unidades do Estado.Conforme uma cunhada de Claudemir, os irmãos saíam de moto de um bar de propriedade dos pais das vítimas, localizado próximo à casa do adolescente, quando escutaram vários tiros. Então Claudemir decidiu, junto com Valmir, ir à casa do ado- lescente ver o que tinha acontecido. De repente, segundo depoimentos de testemunhas, o jovem começou a atirar contra os irmãos. "Ele chegou a descarregar o tambor do revólver 38. Em seguida, carregou a arma novamente e disparou à queima roupa outra vez", diz o coordenador da Central de Polícia de Araranguá, delegado Jorge Giraldi. Minutos depois do crime, por volta de meia-noite, o jovem escapou em uma moto. "Na fuga, ele encontrou algumas pessoas e prometeu matá-las caso contassem algo à polícia." Giraldi explica que o adolescente é frio e calculista, e oferece risco à sociedade, já que está envolvido em inúmeros furtos e assaltos cometidos no Vale do Araranguá. Os crimes são cometidos, segundo a polícia, à mando de bandidos que realizam o tráfico de drogas na Zona do Meretrício. "Constatamos que se tratava de um jovem perigoso após ele ter confessado, no início de dezembro do ano passado, a morte de Paulo Ricardo Fernandes dos Santos, conhecido como Esmerilho, de 24 anos. Esmerilho foi morto a tiros em frente a um bailão, no bairro Mato alto. O garoto não demonstrou nenhum arrependimento pelo crime. Simplesmente admitiu que estava alcoolizado e, na saída do baile, como já tinha uma desavença com Fernandes, decidiu matá-lo." Na época, a polícia realizou um termo circunstanciado e colocou o ado-lescente à disposição da Justiça.Até o fechamento desta edição, o adolescente ainda não havia sido apreendido pela polícia. "A informação é de que o jovem iria se entregar na presença de um advogado. Mas continua foragido", contou o delegado Jorge Giraldi. Valmir Pinto Maciel, permanece internado na UTI em estado grave, de acordo com enfermeiros plantonistas do Hospital Regional.

terça-feira, janeiro 17, 2006

Teoria dos jogos ensina a pensar

A seguir, uma entrevista que fiz com a professora Marilda Sotomayor, da FEA-USP, e que não pude aproveitar para a matéria que publiquei no Valor - por causa do deadline. Uma das maiores autoridades em teoria dos jogos do país, a professora resumiu em um único texto as sete perguntas abaixo.

1. Qual o papel da teoria dos jogos na teoria econômica atual?
2. A teoria dos jogos está cada vez mais presente nos livros-texto de microeconomia. Ela é parte da teoria neoclássica? O conceito de> racionalidade dos agentes é a mesma nas duas teorias?
3. Como a senhora analisa os dois prêmios Nobel dados à teoria dos jogos? Quero dizer, quais as características dos laureados deste ano e quais as dos vencedores em 1994?
4. No livro Theory of Games and Economic Behavior, von Neumann e Morgenstern argumentavam que a economia precisava ganhar estatus de ciência, como a física - o grande paradigma para eles. A senhora acha que a teoria dos> jogos foi uma tentativa de axiomatização da economia, uma forma de trazer a uma "ciência social" os padrões epistemológicos das chamadas "ciências duras"?
5. O comitê que define os vencedores do prêmio do Banco da Suécia também premiou, em 2002, pesquisadores (Kahnemann e Tversky) cujas pesquisas de economia aplicada, de alguma forma, contrariavam os conceitos da teoria dos jogos sobre o comportamento das pessoas. O que a senhora pensa disso?
6. Como está o ensino de teoria dos jogos no Brasil? As escolas estão atualizadas?
7. Alguns economistas considerados não-ortodoxos questionam o uso de teoria dos jogos como sendo mais uma das tentativas de matematizar uma realidade muito mais complexa, incapaz de caber nos modelos matemáticos. Qual a sua opinião?

Resposta.
Sem ir a fundo no que voce quer saber, o que posso lhe dizer é que Teoria dos Jogos tem representado um papel fundamental na Teoria Econômica. Robert Aumann costuma dizer nas suas conferências que a maior aplicação de Teoria dos Jogos à Economia é em Jogos Cooperativos, contrariamente à opinião de muitos economistas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma central que usa um algoritmo para distribuir os médicos que terminam as Escolas de Medicina pelos hospitais onde devem fazer um ano de residência. Esse mecanismo, chamado National Residence Matching Program (NRMP), existe desde de 1951, com participação voluntária de 90% dos médicos e hospitais. Mas antes disso, o mecanismo era descentralizado, com os hospitais fazendo ofertas aos candidatos por telefone, um procedimento parecido ao que acontece hoje no Brasil com omercado de admissão dos estudantes de economia aos cursos de pós-graduação da ANPEC.
Esse procedimento tinha regras que mudavam praticamente a cada dois anos, pois não conseguiam chegar a uma alocação dos médicos aos hospitais que fosse satisfatória para todos os participantes. Quase sempre sobravam vagas em hospitais bem conceituados, e médicos com bons currículos ficavam sem poder fazer a residência. Este processo de ensaio e erro perdurou por 50 anos.
A explicação do insucesso do procedimento antes de 1951 e do sucesso do mecanismo atual, que já dura mais de 50 anos sem sofrer alteração, é dada através da teoria dos jogos cooperativa. De fato, a teoria dos jogos prega que o conceito de equilíbrio cooperativo em jogos em que a principal atividade dos jogadores é a formação de coalizões (grupos de jogadores) é dado pelo conceito de núcleo. Neste mercado, uma alocação em que existem um hospital e um candidato tais que o hospital prefere o médico a algum daqueles alocados a ele e o candidato prefere o hospital àquele para o qual foi alocado, não está no núcleo do jogo. Num artigo meu com David Gale, de 1985, é provado que a alocação produzida pelo algoritmo usado pelo NRMP está no núcleo do jogo cooperativo e que as falhas na organização do mercado antes de 1951 levavam a alocações fora do núcleo. Assim, a alocação produzida antes de 1951 não era um equilíbrio cooperativo, enquanto que a produzida pelo algoritmo o é. É, portanto, a constatação na prática da teoria, num experimento natural de organização de mercado!
Este fato tem sido citado por Aumann frequentemente. É claro que os modelos teóricos do jogo, como todo modelo matemático, não podem retratar fielmente a realidade e nem se propõem a isso. No entanto, eles têm um compromisso com a realidade e através deles muitos mercados têm sido estudados e melhor compreendidos, o que têm ajudado as instituições criadas para organizar tais mercados.
Veja o que aconteceu, por exemplo, com os modelos de jogos de matching de dois lados ao longo dos últimos vinte anos. Esses jogos que modelam mercados de trabalho em nível de entrada, mercados de compra e venda, mercados de admissão de candidatos à instituições, leilões, etc, deixaram de ser apenas modelos de matemática pura para tornarem-se parte importante do campo emergente de Desenho de Mercados.
Com raras exceções, os mais renomados teóricos do jogo são matemáticos, comoAumann, Nash, David Gale, Shapley, Sergiu Hart, Hervé Moulin, etc. Os melhores centros de Teoria dos Jogos pertencem a Departamentos de Matemática, como em Israel e Rússia. No Brasil, todos os cursos de jogos são oferecidos por departamentos de Economia e o ensino dessa disciplina ainda deixa muito a desejar. Além de não ser ensinada em muitas universidades brasileiras, a USP/SP é, até que eu saiba, a única que oferece jogos cooperativos a alunos de graduação e pós-graduação. No congresso internacional que organizei na USP, em 2002, Aumann ministrou um mini curso de jogos cooperativos. Tivemos 70 alunos brasileiros, vindos das mais diversas universidades brasileiras, comoPUC/RJ, FGV/RJ, UFRJ, Unicamp, UnB, etc. Tenho defendido que o ensino de teoria dos jogos deveria ser feito nas escolas secundárias brasileiras. Meus alunos sempre me dizem, quando o meu curso de jogos na USP termina, que estão deixando o curso com "a cabeça diferente". O ponto é que ensinamos matemática às crianças com o intuito de ensiná-las a pensar. No entanto, elas têm dificuldades com os números e assim nem sempre conseguimos alcançar nosso objetivo. Com a teoria dos jogos nao precisamos dos numeros...
Quanto ao Nobel, era esperado há bastante tempo que Aumann o ganhasse um dia. Só que dividido com Lloid Shapley, com quem, inclusive, Aumann fez diversos trabalhos importantes. Costumava-se dizer: "Aumann é o papa da Teoria dos Jogos, mas Shapley é o deus!"

domingo, janeiro 15, 2006

Falei com o homem


Já tinha tentado algumas vezes, mas só consegui numa tarde de domingo de setembro. Estava apurando uma matéria sobre teoria dos jogos e o Nobel do ano passado. Alicia Nash atendeu; pedi pra falar com o marido. "It´s for you, darling", ouvi ela dizer ao passar o telefone para John Nash, um dos maiores matemáticos do século XX e, desde 2001, celebridade por causa do filme Uma Mente Brilhante. Ele ganhou o Nobel de Economia, em 1994, já parcialmente recuperado depois de três décadas submerso na esquizofrenia.
"Senhor Nash", eu disse, "sou um jornalista brasileiro e tenho estudado a história da teoria dos jogos. Estou escrevendo um artigo sobre isso e gostaria de entrevistá-lo". Ele respondeu que não falaria por telefone e pediu que eu mandasse as perguntas por email. A ligação deve ter durado uns dois minutos.
Mandei o email e vejam vocês o que o Fantasma de Fine Hall me respondeu: "Dear Mr. Sousa, There are TOO MANY questions. After I became more widely known because of involvement with a (Hollywood) film I became more guarded about interviews.So I have not been accepting interview requests on an automatic or general level. I am sorry that I cannot afford to be more obliging about interview requests in general. Sincerely, John F. Nash, Jr." Explicando: eram "apenas" 15 perguntas, bastante específicas, pra que ele não reclamasse que poderia escrever um livro sobre cada uma delas.
Quando o filme foi lançado, jornalistas do mundo todo correram para entrevistá-lo - brasileiros, inclusive -, mas o velhinho esnobou a maioria. Não tive sorte diferente. Mas valeu a tentativa.

[Fumando um Partagas que ganhei do sogrão]

sábado, janeiro 14, 2006

Civilização

Voltava do trabalho ontem, já quase 8 da noite. Ao contrário dos outros dias de janeiro, o trânsito na Marginal Pinheiros estava carregado; o pessoal ansioso para descer para o litoral. Quando o trânsito finalmente começou a "andar", uma cena inusitada: um motoqueiro que passou por mim levantou o pé direito e acertou em cheio o retrovisor do carro que estava na minha frente porque ele (o carro) ameaçou ir um pouquinho mais para a esquerda. Uma coisa impressionante! Como é que ele conseguiu fazer aquilo eu até agora não entendi. Devia estar a uns 80 quilômetros por hora e, mesmo assim, conseguiu chutar o retrovisor do carro ao lado. Haja equilíbrio! E civilidade.

Uma cena que talvez ilustre em que nível se dá o relacionamento entre as pessoas na maior cidade do país. Costumo dizer que o trânsito mostra muito do comportamento social. Aqui em São Paulo, dar sinal para mudar de direção é cada vez mais raro. A impressão que se tem é que seta é acessório na maioria dos carros - e que os donos não instalam. Pra mim, isso é um sinal de que as pessoas simplesmente não reconhecem a existência - muito menos o direito - do "outro". Assim fica difícil qualquer tentativa de convivência social nos limites da civilidade. Saudade lá de Ijuí, no Rio Grande do Sul, cidade que visitava quando meu pai estudava por lá. Bastava pôr o pé na faixa de pedestre para que os motoristas parassem. Nem tudo está perdido.

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Quando o jogo não é brincadeira

A matéria abaixo é uma versão estendida da que publiquei no Valor Econômico.

Dois homens são presos sob a acusação de furto. A cada um deles, separadamente, a polícia apresenta a seguinte proposta: Se confessar e o parceiro negar, o delator sai livre e o companheiro fica preso por dez anos — e vice-versa. Se ambos confessarem, pegam cinco anos de cadeia e, se negarem, a pena cai para um ano. Criado pelo professor Albert Tucker, da Universidade Princeton, o Dilema do Prisioneiro é o mais famoso exemplo de uma situação na qual se aplica a teoria dos jogos — uma área multidisciplinar que amealhou o prêmio Nobel deste ano, com os pesquisadores Robert Aumann, da Universidade Hebraica de Jerusalém, e Thomas Schelling, de Harvard.
A teoria dos jogos ganhou as telas dos cinemas em 2001, com o filme Uma Mente Brilhante, baseado no livro homônimo da economista e jornalista alemã radicada nos Estados Unidos Sylvia Nasar. O livro conta a história do matemático americano John Nash Forbes Jr., cuja carreira promissora foi interrompida pelas crises de esquizofrenia, não sem antes deixar contribuições fundamentais para a teoria dos jogos.
O equilíbrio de Nash, por exemplo, explica porque a alternativa mais adequada no Dilema do Prisioneiro é confessar, mesmo que o resultado final não seja o melhor entre os possíveis — cinco anos de prisão. Se ambos negassem, pegariam apenas um ano. Mas se pensassem em ter o melhor resultado, poderiam ter o pior: se um deles negasse o crime e o outro confessasse e delatasse seu companheiro, esse último sairia livre e o primeiro pagaria sozinho com a pena máxima.
Quando muitos já o tinham como morto, Nash ressurgiu em 1994, ao dividir o Nobel de economia com John Harsanyi e Reinhard Selten, o primeiro concedido pelo banco da Suécia à teoria dos jogos.
O brasileiro Newton da Costa, professor de lógica da USP e da UFSC e uma das maiores autoridades do mundo em lógica paraconsistente, analisou o teorema de Nash em um artigo no “Journal of Philosophical Logic”, em 1998, assinado com outros dois pesquisadores brasileiros, Marcelo Tsuji e Francisco Doria. Os três concluíram que, embora haja certamente um ponto de equilíbrio em cada jogo, não há um “processo efetivo” para calculá-lo que sirva para todas as situações. Seria impossível, por exemplo, a criação de um programa de computador que servisse para calcular o ponto de equilíbrio de todos os jogos, assim como não há um anti-vírus que sirva para todos os tipos de pragas virtuais.
A solução terá que ser encontrada caso a caso. Para o professor, isso está longe de comprometer a eficácia e a credibilidade da teoria. Pelo contrário, ele diz que só a torna “ainda mais bonita”, já que os pesquisadores precisam entrar com suas capacidades de resolver os problemas separadamente.
Mas a teoria dos jogos não começou com Nash. Sua aplicação à economia começou com o livro “Theory of Games and Economic Behavior” (TGEB), do matemático húngaro John von Neumann e do economista alemão Oskar Morgenstern, ambos professores da Universidade Princeton, em 1944. O aparato matemático foi providenciado por von Neumann, que já publicara um artigo no qual desenvolvera o teorema fundamental da teoria dos jogos, o minimax — segundo o qual sempre há uma solução racional para uma situação de conflito entre dois indivíduos com interesses completamente antagônicos. São os chamados jogos de soma zero, em que o ganho de um jogador é igual à perda do outro. Nesses casos, haveria “estratégias ótimas” para ambos jogadores, limitando os ganhos e os prejuízos. Isso valeria tanto para pessoas quanto para empresas, genes, nações, etc.
Sylvia Nasar define von Neumann como um verdadeiro polímata. Discípulo do matemático alemão David Hilbert, além da teoria dos jogos, ele se dedicou à formalização da teoria dos conjuntos e da mecânica quântica. Participou do Projeto Manhattan e era uma das exceções às severas regras de segurança: não viveu confinado em Los Alamos; entrava e saía de lá quando bem entendesse. Por muito tempo, assessorou o governo americano durante a Guerra Fria. Já de cama por causa do câncer que o mataria em 1957, ele ainda recebia visitas dos membros do governo americano. Dizem até que Stanley Kubrick teria espelhado nele o personagem “Doutor Fantástico”. Mas o feito que o tornou famoso foi o desenvolvimento do primeiro computador eletrônico. Como consultor da IBM, von Neumann participou de várias etapas da concepção e construção do computador eletrônico: a substituição dos modelos de circuitos por programas gravados, máquinas digitais no lugar de analógicas e o padrão de dígitos binários em vez do decimal. Como comenta Arno Penzias, “no mundo de hoje, a mesma palavra 'computador' se refere a uma versão da máquina inventada por John von Neumann nos anos 40”.
Assim como o programa de pesquisa de Hilbert pretendia axiomatizar a teoria dos conjuntos, a teoria dos jogos seria uma tentativa de estabelecer os axiomas da teoria econômica. E, para von Neumann e Morgenstern, o fundamento seria o comportamento das pessoas. Em vez de procurar estabelecer sistemas universais que tudo explicassem, sugeriram que os economistas deveriam, primeiro, trabalhar em âmbito microeconômico para resolver “problemas individuais”, como já faziam os físicos.
O problema “maduro” a que se propuseram resolver em TGEB é o “comportamento racional”, pelo qual os agentes econômicos procurariam maximizar a utilidade de suas decisões — conceito desenvolvido pelos marginalistas do século XIX. Isso suscitaria a discussão se a teoria dos jogos é parte da teoria neoclássica ou se constitui um ramo independente.
A resposta não é óbvia. Autor do primeiro livro-texto sobre teoria dos jogos do Brasil, o professor Ronaldo Fiani, da UFRJ, diz que pode ser “sim e não”. Se, por um lado, a TJ parte do axioma de que os agentes continuam decidindo racionalmente, e usa todo o arcabouço de racionalização matemática, por outro, os resultados dessas decisões podem não ser exatamente aqueles preditos pela teoria neoclássica.
No artigo “Dois Métodos da Teoria Econômica”, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira destaca a inversão dos papéis entre a teoria dos jogos e a doutrina neoclássica. “A teoria dos jogos é uma teoria da decisão em regime de incerteza e, na teoria neoclássica pura, não há espaço para a decisão: os agentes sempre maximizam, sempre escolhem a alternativa ótima. Com a adoção da teoria dos jogos , a teoria do equilíbrio geral estaria perdendo o seu estatuto de sistema geral para o entendimento de um sistema econômico substantivo de mercado para se constituir em parte de uma teoria da decisão. Seu ato fundador deixariam de ser os trabalhos de Walras, Jevons e Menger para serem o de Von Neumann e Morgenstern.”
O professor Ubiratan D’Ambrósio, da PUC-SP, lembra que a teoria dos jogos era considerada uma coisa menor, no departamento de matemática de Princeton, na década de 50, quando esteve por lá. Ao contrário de von Neumann, a maioria dos matemáticos da época não dava muita importância à matemática aplicada, quando a moda ainda era a topologia.
Em economia, a teoria dos jogos só começou a ganhar importância e espaço nos livros-texto no final da década de 70 e começo da de 80. No Brasil, ainda é mais ensinada em cursos de pós-graduação. Professor da disciplina no curso de doutorado em Economia da FGV, Sérgio Werlang diz que metade dos modelos existentes hoje em dia em economia é baseada em teoria dos jogos, e a outra, na teoria neoclássica do equilíbrio geral.
O professor de economia do Massachussets Institute of Tecnology (MIT) Muhamet Yildiz confirma que a teoria dos jogos ocupa hoje o papel que já foi da teoria dos preços ou da teoria do equilíbrio geral há algumas décadas. “Por isso, não é surpresa alguma ter havido dois prêmios Nobel em teoria dos jogos.”
Hoje, sua aplicação se estende a áreas antes inimagináveis, como a biologia e até mesmo jornalismo. No Brasil, já há pesquisadores na área, como Werlang, a professora Marilda Sotomayor (USP) e o professor Hélio Schuch (UFSC), entre outros. Schuch usa a teoria dos jogos para analisar a tomada de decisões no mercado jornalístico e Sotomayor é especialista em leilões.
Mas o uso da teoria dos jogos está longe do consenso. O articulista da revista “Business Week” Michael Mandel avalia, por exemplo, que ela falha no principal teste de uma teoria científica: a capacidade de fazer previsões que possam ser testadas empiricamente. Segundo ele, na vida real, resultados completamente opostos em uma determinada situação seriam consistentes com a versão de racionalidade da teoria dos jogos. Um exemplo: se a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, tivesse acabado em guerra entre Estados Unidos e União Soviética, os teóricos dos jogos diriam que aquele seria um resultado tão “racional” quanto o que realmente aconteceu. Ou seja, tanto o conflito quanto a cooperação seriam, ao mesmo tempo, consistentes com a teoria.
Mas o comitê do Nobel parece não ter dado a mínima para as objeções ao premiar Thomas Schelling e Robert Aumann. Eles têm perfis distintos. Modesto, Schelling se diz apenas um “usuário” da teoria. Autor do primeiro livro-texto do Brasil sobre teoria dos jogos, o professor Ronaldo Fiani, da UFRJ, diz que Schelling é mais “intuitivo e não preocupado com formalizações matemáticas”.
Um de seus mais conhecidos trabalhos é o livro “A Estratégia do Conflito”, em que analisa a corrida nuclear entre as duas super-potências durante a Guerra Fria sob o ponto de vista de um jogo. Também importante é o conceito de “ponto focal”. Para ilustrar a idéia, Schelling criou o exemplo dos dois paraquedistas. Eles saltam, separadamente, em uma missão de sabotagem sobre uma cidadezinha, mas esquecem de combinar onde vão se encontrar. Em terra, notam que a cidade tem cinco casas, uma igreja e duas praças. A pergunta de Schelling é: onde eles vão escolher se encontrar? Na igreja. Ou seja, algumas soluções são mais prováveis porque os jogadores acreditam que os outros também as escolherão.
Robert Aumann esteve por aqui em 2002, participando de um seminário patrocinado pela Game Theory Society, da qual era presidente. A professora Ana Maria Bianchi, da FEA-USP, lembra da palestra e de seu estilo altamente didático. Dispensou os recursos audiovisuais disponíveis e pediu um singelo quadro negro. “Tiveram que sair procurando porque era a única coisa que não havia lá”, conta Bianchi.
Aumann é um legítimo teórico dos jogos. Esteve no Brasil, em 2002, participando de um seminário patrocinado pela Game Theory Society. O reconhecimento do Nobel veio pelo conjunto da obra do israelense, da qual se pode destacar o trabalho sobre os chamados “jogos repetidos”. Quando duas empresas formam um cartel, por exemplo, aquela que desrespeitar o acordo primeiro, alterando a política de preços, acaba vendendo mais e ganhando no curto prazo. Mas Aumann demonstrou que, se a situação (jogo) se repetir, elas tenderão a cooperar, desde que o horizonte seja indefinido, ou seja, não haja uma data certa para o cartel acabar. Fiani explica que, da mesma forma, os assaltantes do Dilema do Prisioneiro também tenderiam à cooperar se o jogo fosse repetido, desde que não soubessem qual seria a última jogada.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Um governo esburacado

O presidente Lula finalmente começa o ano acertando. Conseguiu resumir em uma única expressão o que foram os seus três anos de mandato: um tapa-buracos. O problema é que, como toda operação tapa-buracos, quando você tapa o último o primeiro já está aberto de novo.
Pensando bem, não teve sucesso nem nesta modesta tarefa. Há, hoje, mais buracos do que quando assumiu. Enquanto os países emergentes cresceram acima de 5% no ano passado - alguns próximos de 10% -, o Bananão (expressão copiada do Ivan Lessa, via Tambosi)faz outro vôo de galinha em torno de 2%. Buracos é o que não faltam nas contas da classe média brasileira.
O episódio é emblemático: quando um governo faz propagando maciça de um reles tapa-buracos é porque a coisa está pretíssima. Nada mais há para propagandear.
A coisa é tão insana que as próprias empreiteiras ficaram constrangidas. Pediram a Lula que esclareça os critérios para convidar as empresas a trabalharem sem licitação. Enfim, começamos o ano da mesma forma lastimável como os anteriores - e bota anteriores nisso!

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Vovôs premiados



A propósito do último post (ainda não achei uma palavra em português pra isso!), vale a explicação de que Thomas Schelling foi acompanhado por Robert Aumann no prêmio Nobel de Economia de 2005. A bem da verdade, não se trata propriamente de um prêmio Nobel, já que não foi criado por Alfred Nobel. É, na verdade, o Prêmio do Banco da Suécia em Ciência Econômica, em memória de Alfred Nobel - mas isso também não importa muito.
Como ele mesmo disse na entrevista no dia em que ficou sabendo ser o vencedor, Schelling é mais um "usuário" da teoria dos jogos, enquanto Aumann, o barbudão, é um teórico dos jogos por excelência. Seus trabalhos mais conhecidos são aqueles que tratam dos jogos repetidos, nos quais os jogadores tendem a cooperar. Isso poderia acontecer até mesmo no famoso "dilema do prisioneiro", criado pelo professor Albert Tucker, de Princeton, para explicar o não menos famoso "equilíbrio de Nash".
Mas voltando ao Schelling, ele usa com maestria os conceitos da teoria dos jogos para explicar e analisar situações reais, como a tensão entre União Soviética e Estados Unidos, durante a Guerra Fria. Apesar de todas as críticas, a teoria dos jogos está cada vez mais presente em muitos campos do conhecimento, da economia à biologia. Qualquer que seja a situação em que dois ou mais participantes tomam decisões que podem afetar uns aos outros, a teoria dos jogos pode contribuir com suas ferramentas de análise. Mais adiante vou recomendar algumas fontes de leitura para os que se interessarem.

domingo, janeiro 08, 2006

Se tivessem lido Schelling...



Não sou muito fã destes seriados cujos roteiros são baseados em teoria conspiratória (ficção não precisa ser assim), mas ontem parei para assistir a um episódio de 24 hours. Imaginem a cena: o Air Force 1, avião do presidente americano, cai em região deserta.
Mas como nem toda região é tão deserta assim, tinha lá um casal acampando. Eles acordam com o barulho da explosão. Vão dar uma olhada e descobrem que é o Air Force 1; e encontram a "football", como é chamada a maleta pela qual o presidente pode acionar todo o arsenal nuclear americano. Pelo celular, o cara liga para um número tal que o conecta com os agentes federais. Enquanto ele fala com o mocinho Jack Bauer, vê dois carros se aproximando. Certo de que eram os terroristas que derrubaram o avião do presidente, o agente recomenda que ele tire o rastreador da maleta e se esconda em uma usina abandonada, a única construção que há perto dali. Onde está o erro tático do agente - que deveria ser expert em estratégia? Óbvio, não?
Thomas Schelling (o vovô aí da foto), um dos vencedores do prêmio Nobel de economia deste ano, criou uma historinha para exemplificar como as pessoas tendem a tomar as mesmas decisões quando encaram a mesma situação. É mais ou menos assim: dois paraquedistas em uma missão de reconhecimento em um vilarejo saltam do avião, mas esquecem de combinar onde vão se encontrar - por alguma razão, eles acabam se separando. Ao chegar à vila, notam que há 10 casas, uma igreja e duas praças. Se você estivesse lá, que lugar escolheria para esperar seu parceiro? Na igreja, óbvio!!
Isso porque você quer encontrar alguém. Mas e se você quiser se esconder, como o azarado que achou a "football"? Há várias respostas, mas uma deve ser evitada: você não deve ir para a igreja (refiro-me ao exemplo de Schelling; nada contra quem freqüenta). Pois foi o que Bauer sugeriu que o pobre coitado fizesse. Os terroristas dispunham das mesmas informações que Bauer; ou seja, tratava-se de um jogo de informação completa. Tinham um mapa que mostrava a usina abandonada e - guess what? - chegaram à brilhante conclusão de que quem quer que estivesse com a maleta teria buscado refúgio no prédio abandonado. Não deu outra: pegaram o casal com a boca na botija, quer dizer, com a maleta na mão.
Tivesse lido Schelling, Bauer não teria metido o pobre casal naquela fria. Naquela noite escura, era só se esconder em qualquer arbusto ou correr para longe da estrada e pronto. Mas daí o roteiro não teria graça nenhuma, concordo.



sábado, janeiro 07, 2006

Polêmica acadêmica

Vejam só, os blogs já começam a importunar alguns que se consideram intocáveis ou acima de qualquer crítica. O blog do professor Orlando Tambosi (link ao lado), juntamente com a revista Primeira Leitura, foi alvo de uma ação do professor Luiz Alberto Moniz Bandeira que, com base na famigerada Lei de Imprensa, requereu o direito de resposta a um artigo do filósofo Roberto Romano, publicado na revista e reproduzido por Tambosi. O que surpreende é que Bandeira nem sequer entrou em contato com Tambosi para publicar a resposta; preferiu recorrer à Lei de Imprensa. Sugiro uma espiada no blog do Tambosi, a quem presto minha solidariedade. Como ele mesmo disse, o debate de idéias não deveria se sustentar na arcaica Lei de Imprensa.
Os blogs parecem estar incomodando, mesmo. O professor Romano foi obrigado a bloquear os comentários de seu blog por causa dos exageros dos visitantes, certamente contrariados com a independência do professor e sua crítica aguda e pertinente ao governo Lula. Este povo do PT não está mesmo acostumado a críticas, mesmo depois de três anos de um governo vergonhoso.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Novos links

Ao lado, três novos links. Laudas críticas é o blog do jornalista Maurício Tuffani, sempre com informações atualizadas sobre ciência e afins. O link da universidade canadense McMaster é uma espécie de biblioteca online sobre economia e filosofia da economia, com obras dos principais pensadores desse campo do conhecimento. E História das Idéias é um tipo de dicionário sobre os mais interessantes temas da filosofia. Vocês podem encontrar, por exemplo, textos explicativos sobre o conceito de alienação em Hegel e em Marx - entre muitos outros. Esse copiei do blog do mestre Tambosi (link ao lado). Espero que gostem.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Livros bons e baratos

Aqui no prédio da editora Globo, onde fica a redação do Valor, tem uma livraria que vende verdadeiras pechinchas. O dono garante que não são usados; tampouco são novos, mas estão em muito bom estado. Já comprei vários por preços que variam entre R$ 5 e R$ 15. Entre eles, um que estava procurando há um tempão e não encontrava: Conjecturas e Refutações, do bom e velho Karl Popper. Paguei R$ 15. Já comprei outros, como um do Bachelard, por R$ 5. Hoje deixei lá mais R$ 15 em troca de dois bons exemplares: O Erro de Descartes, de António Damásio, e O Homem Que Confundiu sua Mulher com um Chapéu, de Oliver Sacks. São livros que ficaram lá abandonados nos estoques de algumas editoras e que são resgatados pelo dono da livraria. Passo ali depois do almoço para dar uma espiada; a maioria é porcaria, mas é possível encontrar coisas boas esgaravatando nas prateleiras. Tomara que um dia possa encontrar por lá um exemplar empoeirado de The History of Economic Analysis, do Schumpeter. Espero é ter tempo para lê-los todos. Ainda mais agora que começo o doutorado em História da Ciência, na PUC-SP.