O Valor publicou hoje um artigo do economista americano Jeffrey Sachs com o título acima. De certa forma, o artigo trata de um tema largamente discutido no imperdível blog do Tambosi (O Iconoclasta, link ao lado): a diferença entre ideologia e ciência. Em resumo, Sachs diz os governos se limitam às disputas eleitorais e esquecem de resolver os problemas práticos da população, para o que a ciência é de grande valia. Os governos não consultam os cientistas, certamente convictos de seu poder quase sobrenatural - vide um certo país sul-americano de língua não espanhola.
Sachs trata da África, onde a maior parte da população padece dos piores índices de desenvolvimento. O artigo está aqui embaixo, mas, para quem não tiver paciência de lê-lo, aqui está o último parágrafo: "chegou a hora de admitir que os governos estão mal preparados para compreender os desafios e as oportunidades tecnológicas sofisticadas diante do mundo, e que novas práticas são necessárias para assegurar que a ciência e a tecnologia recebam a proeminência necessária para lidar com uma vasta gama de problemas globais cada vez mais urgentes. Agora é a hora de cada agência internacional e governo nacional importante assumir a responsabilidade pela conquista do conhecimento científico e tecnológico de que necessitarão no século XXI".
(segue a íntegra)
O progresso econômico de longo prazo decorre principalmente da invenção e da proliferação de tecnologias melhoradas. A revolução científica tornou-se possível em função da prensa tipográfica, a revolução industrial, da máquina a vapor, e a saída da Índia da fome coletiva, em função do aumento da produtividade agrícola - a chamada "Revolução verde". A atual era da globalização surgiu com a proliferação dos computadores e com a internet. Portanto, quando buscamos soluções para os problemas mais agudos do mundo, eles provavelmente também serão encontrados, pelo menos em parte, em novas tecnologias que possam solucionar problemas antigos e aparentemente intratáveis.
Consideremos a pobreza na África. Todas as explicações imagináveis já foram dadas, geralmente centradas no que os africanos fazem de errado. Uma visita às aldeias da África, porém, deixa claro que os problemas têm mais a ver com a luta pela sobrevivência sob condições físicas adversas do que com qualquer tipo de problema especial exclusivo das sociedades africanas.
Os agricultores africanos produzem praticamente um terço ou menos de alimentos por hectare de terra agricultável em comparação com seus pares ao redor do mundo, resultando em fome em massa, que é exacerbada por uma pesada carga de doenças. A malária representa um desafio inigualável, em grande parte devido às variedades de mosquito existentes na África, que são especialmente competentes em transmitir a doença. Outras doenças parasíticas tropicais envolvem fardos igualmente extraordinários na África. Acrescentemos a isso as dificuldades práticas das rodovias destruídas e os poucos carros e caminhões, e o isolamento econômico vem em conseqüência. Portanto, os desafios da sobrevivência são enormes.
Contudo, soluções práticas estão disponíveis, pois as tecnologias simples e de baixo custo podem equacionar problemas específicos. Baixas taxas de produtividade agrícola podem ser solucionadas por meio de variedades melhoradas de grãos, especialmente adaptadas para as condições africanas, combinadas com tecnologias para recuperar o solo e gerenciar a água. A malária pode ser controlada por meio de redes de mosquito resistentes recém-projetadas e por uma nova geração de medicamentos eficazes. Outras doenças tropicais também podem ser controladas, e tecnologias práticas para a obtenção de água potável segura podem reduzir dramaticamente as moléstias diarréicas. Telefones móveis, redes de internet sem fio e mais rodovias asfaltadas podem contribuir em muito para romper o isolamento econômico das aldeias africanas.
Países doadores pedem incessantemente que os africanos alterem as suas políticas comerciais, suas instituições governamentais, sua administração pública, e mais. Algumas dessas mudanças são importantes, porém o papel dos países ricos ficou assimétrico, concentrando-se em tudo, exceto nas formas de financiar e implementar tecnologias práticas para solucionar problemas práticos. O erro dos países ricos não teria importância se os países africanos tivessem dinheiro suficiente para adotar as tecnologias necessárias por si mesmos, porém a África é tão pobre que precisa receber ajuda financeira para escapar da pobreza.
Os desafios de desenvolvimento na África são apenas um exemplo de como problemas complicados de sociedades podem ser tratados através da elaboração e disseminação de tecnologias melhoradas. O mesmo se aplica à forma como o mundo lidará com a mudança climática causada pelo ser humano - outro dos problemas globais aparentemente intratáveis.
Neste momento, os países ricos estão mudando o clima do mundo através da emissão anual de bilhões de toneladas de dióxido de carbono pelo uso do carvão, petróleo e gás natural. Nos anos futuros, a China e a Índia também darão contribuições maciças à elevação do nível do dióxido de carbono na atmosfera. Mas nenhum país, rico ou pobre, está interessado em reduzir o seu uso de energia, devido ao temor de que ao assim agir poderá ameaçar empregos, rendas e crescimento econômico.
As novas tecnologias oferecerão uma parte importante da solução. Nesse momento, os automóveis "híbridos", que combinam gasolina e energia de baterias, podem praticamente dobrar a eficiência dos combustíveis, reduzindo as emissões de dióxido de carbono à metade. Similarmente, engenheiros desenvolveram formas de capturar o dióxido de carbono resultante da queima do carvão em usinas elétricas e armazená-lo seguramente sob o solo. Esta nova tecnologia, chamada de "captura e seqüestro do carbono", pode reduzir em 80% o dióxido de carbono emitido durante a geração de eletricidade. Os custos parecem ser relativamente baixos.
Consideremos também o esgotamento das zonas pesqueiras oceânicas por causa do excesso de pesca. A demanda global pelo consumo de peixe está aumentando e, portanto, aumenta também a capacidade global de pescar peixes, levando algumas espécies à beira da extinção. A aqüicultura aperfeiçoada, na qual os peixes são criados em viveiros e reservatórios artesanais, ainda está longe de ser uma tecnologia perfeita, principalmente por motivos ambientais, porém ela é enormemente promissora.
Em recente visita à África, um destacado cientista agrícola disse que no mundo de hoje o cientista está mais próximo do que nunca do agricultor, porém mais longe ainda do que nunca dos formuladores de política. Os políticos não entendem a ciência, e raramente pedem o conselho de cientistas e engenheiros para tratarem dos temas mais importantes. Tudo é visto como política e votos, não como problemas técnicos que exigem conhecimento tecnológico, o que explica porque a pobreza da África é tão freqüentemente atribuída à corrupção e não aos desafios ecológicos.
É fácil desconsiderar a sugestão de que a tecnologia pode salvar a situação. Afinal, o avanço tecnológico também requer boa governança, forças de mercado, universidades eficientes, e mais. A política continuará exercendo o seu papel.
Mesmo assim, chegou a hora de admitir que os governos estão mal preparados para compreender os desafios e as oportunidades tecnológicas sofisticadas diante do mundo, e que novas práticas são necessárias para assegurar que a ciência e a tecnologia recebam a proeminência necessária para lidar com uma vasta gama de problemas globais cada vez mais urgentes. Agora é a hora de cada agência internacional e governo nacional importante assumir a responsabilidade pela conquista do conhecimento científico e tecnológico de que necessitarão no século XXI.
2 comentários:
PH,
obrigado pela lembrança. O artigo de Sachs vai ao ponto. Enquanto políticos e governantes se preocuparem mais com ideologia do que com ciência, nosso país não sai do lugar.
Os "projetos" dos partidos raramente contam com sustenção científica - perdem-se na discurseira e nas promessas vagas, sem apontar alternativas.
Infelizmente, na próxima eleição não será diferente, pelo que se vê.
Abração, Tambosi
P.s.: olha o Multifário aí! Há tempos que não aparece....
Agradeço pela visita de ambos. É uma honra! Mas, Multifário, há tempos que estou distante de SC, das suas belezas e de suas mazelas. Não sei se consigo acrescentar alguma avaliação de qualidade sobre a conjuntura do estado. Mas vou postar algo hoje.
abraço
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