Isto é tão bom que vou colocar na íntegra aqui.
Xico Sá, na FSP.
AMIGO TORCEDOR , amigo secador, comovente quando alguém, no mundo do futebol, usa a inteligência uma vez só, como na canção de Roberto e Erasmo. Só na guerra o homem consegue cota de estupidez maior que no esporte. Somos tapados, burros de tropeiros quando esse gênero de paixão nos abate como a uma desprotegida mocinha de Paranapiacaba.
O futebol nos une na estupenda jumentice existencial. Boleiros, torcidas, homens da latinha, gente da crônica e todos os cavaleiros de mesas redondas. Do mais crítico ao mais jabazeiro, digo, os Faustos ludopédicos que vendem até o vento engarrafado. Embora ajam mais por "malandragem regular profissional", para citar o evangelho segundo Chico, do que por qualquer religião ou crença, até os cartolas fogem um segundo da estupidez humana.
Repare no caso do Santos, o maior time de todos os tempos, o único capaz de parar uma guerra, como se deu em 1969 no Congo Belga, quando Pelé valia mais do que todos os falsos poderosos da ONU. Quando todos nós, por perversão ou burrice, achávamos que Cuca seria demitido, a diretoria decide mantê-lo. Palmas! Devemos agradecer ao Cuca, quase um solitário no ramo que junta caráter e futebol bonito, pelo milagre da sua existência nos dias de ira. O mais louco é que esse mesmo Santos sem vitórias, sob o temor do rebaixamento, tem tido os mais incríveis lampejos de arte. O começo do jogo contra o Figueirense, com Kleber Pereira qual uma venenosa flecha negra, foi um espetáculo.
Contra o Grêmio, nem se fala, o Peixe teve de novo os melhores 15 minutos de todos os clubes do certame. Com um gol, de um dos tantos Michaéis da Vila, que mais parecia uma obra de Michelangelo.
Quem é melhor do que Cuca no futebol brasileiro? Creio que só o Muricy Ramalho, esse sim um gênio sem o foguetório do marketing e da falsa glória. Apesar da burrice de muitos torcedores, obra milagres. À prova de janelas européias, é o cara que dá certo na base do "já que não tem tu, vai tu mesmo". O São Paulo joga com mil desfalques, ele pega um moleque e diz: "Obedece à natureza, vai lá no rastro do que o outro fazia, como um vira-lata atrás de um tatu nas primeiras chuvas nos sertões, essas coisas que se repetem como quem anda nas mesmas veredas".
Aliás, chega de queixas à exportação de boleiros. Eu sempre blasfemava, até que uns sábios leitores, que usam a inteligência não apenas uma vez só, convenceram-me de que era uma baita chance para moleques subirem na vida. Basta pegar a balança comercial de humanos e ver que até o Icasa, meu time de infância em Juazeiro, exporta craques. É, amigo, no futebol, mais que o amor, é difícil usar a inteligência.
Como fez Caio Júnior, nosso Harry Potter, ao preferir o calor da massa rubro-negra à incomunicabilidade lastreada em petrodólares.
Mais vale um sorriso banguela de um flamenguista da praça Saens Peña que um ranger de dentes de ouro de um xeque. Sem se falar nas bundas, claro, que de tão lindas mal cabem nesta crônica. Mais vale meia bundinha na fila de uma padaria na Tijuca, cabelo cheirando a Neutrox, do que todos os mistérios guardados e todas as elipses de uma burca.
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