Nesta semana, a polêmica dos biocombustíveis veio à tona com a acusação de que eles seriam a causa da inflação mundial dos alimentos, nos últimos meses. Isso me pareceu uma brutal simplificação das coisas. Geralmente, um fenômeno desses não tem uma única causa. Como tem sido dito, há várias: o aumento do consumo (com o aumento da renda em alguns lugares pobres do mundo), o fim dos estoques reguladores, o protecionismo dos países ricos via subsídios e barreiras comerciais e, claro, os biocombustíveis (que competem por terra).
Achei oportuno colocar aqui uma entrevista que fiz com o químico alemão Hartmut Michel, ganhador do prêmio Nobel de Química em 1988.
Qual a sua opinião sobre os biocombustíveis?
O potencial dos biocombustíveis é muito limitado. Há um grande perigo de que o efeito sobre a poluição e o aquecimento global seja negativo. Em particular, a comparação com as células fotovoltaicas, por exemplo, mostra que a eficiência de usar a energia da luz solar, via biocombustíveis, é extremamente baixa. E você ainda tem que investir uma quantidade substancial de energia na produção dos biocombustíveis.
Então eles não podem ser o combustível do futuro, como tem sido alardeado?
Depende do uso que se fizer deles. Para os aviões, por exemplo, ainda precisaremos de combustíveis líquidos. Para os carros, eu antecipo que eles serão impulsionados por motores elétricos, com energia armazenada em baterias. Isso está sendo – e continuará a ser – melhorado. As baterias serão carregadas com células fotovoltaicas (fotoelétricas).
Os biocombustíveis são mais eficientes do que os combustíveis fósseis?
Eficientes em relação a quê? O etanol, por exemplo, contém um átomo de exigênio e, por isso, seu conteúdo energético é consideravelmente baixo – 60% do da gasolina e do biodiesel.
Alguns países começaram a adotar restrições ao uso de combustíveis fósseis e a estimular o consumo de biocombustíveis, com a justificativa de que isso ajudaria no combate ao aquecimento global. O que o senhor acha disso?
Essa restrição é catastrófica. Os países que a adotaram não estão localizados na zona tropical e seu potencial de produzir biocombustíveis de forma eficiente e com custos baixos é extremamente pequeno. O que terão que fazer é importar biocombustíveis dos países em desenvolvimento, onde a produção é muito mais barata. A produção dos biocombustíveis terá, assim, dois efeitos principais: (i) o aumento dos preços dos alimentos, atingindo principalmente as pessoas mais pobres; e (ii) um rápido desmatamento, com queima de árvores, liberando mais dióxido de carbono e outros poluentes no ar do que poderá ser poupado pelo uso de biocombustíveis vindos de áreas já limpas, nos próximos 100 anos. Na Indonésia e na Malásia, uma boa parte das florestas tem sido “limpas” para a plantação de palmeiras.
Em termos de eficiência, de novo, o senhor diria que há combustíveis mais propícios para determinados usos?
De certa forma, sim. Madeira, por exemplo, é mais eficiente para aquecimento, mas pode ser também para gerar energia elétrica. O gás natural e o óleo combustível economizados poderiam ser usados em automóveis e aviões.
Etanol é melhor ou pior do que os outros biocombustíveis?
Etanol é o pior. Isso porque muita energia precisa ser colocada na sua produção, principalmente quando milho, trigo e beterraba são usados como matérias-primas. Além disso, energia precisa ser consumida na produção de fertilizantes, para arar a terra e para a colheita. Você também precisa colocar muita energia para enriquecer o etanol. Várias destilações e outros processos químicos são necessários para o enriquecimento. Se essa energia toda tem origem no carvão, então mais dióxido de carbono será liberado no processo de produção dos biocombustíveis do que seria se a gasolina e o óleo diesel fossem queimados diretamente.
Mas e quanto ao etanol de origem da cana-de-açúcar, como no Brasil? O país poderá dominar esse mercado mundial?
Bem, felizmente a situação do Brasil é diferente porque o bioetanol é derivado da cana-de-açúcar. No Brasil não há necessidade de um plantio e de uma colheita anual, e o país ainda pode usar galhos e folhas secas no processo de destilação. Isso parece dar um ganho de energia de seis a sete vezes [em relação às outras fontes de etanol].
O álcool brasileiro tem potencial menor do que as células fotoelétricas?
O etanol rende 0.6 litro por metro quadrado ao ano, correspondente à energia de 3,8 kWh. A energia do sol, no Brasil, é de 2 mil kWh por metro quadrado por ano. Isso significa que menos de 0,2% da energia do sol é aproveitado no etanol.
E quanto às outras fontes alternativas de energias? Quais as mais promissoras?
Nós não temos uma alternativa realista ao uso da luz solar, direta ou indiretamente. No entanto, colher a energia do sol via fotossíntese das plantas e algas e convertê-la em biogás ou em biocombustíveis é a maneira errada. A capacidade de armazenamento da energia do sol durante a fotossíntese é extremamente baixa. Se usarmos biogás para produzir eletricidade aqui na Alemanha, então, cerca de 0,15% da energia do sol será convertida em eletricidade. A eficiência de conversão das células solares fotoelétricas já disponíveis comercialmente já é de 15%, ou seja, cem vezes mais eficiente. Essa é a razão de por que considero carros movidos a bateria – carregadas por eletricidade oriunda de células fotoelétricas – como o futuro. Além disso, tirando a parte inicial da instalação, nenhum outro trabalho é necessário para produzir eletricidade. A energia eólica, também originada da energia solar, também poderia ser uma alternativa em países onde há ventos fortes e constantes, como na Patagônia, na Argentina. A energia derivada do vento poderia ser usada, principalmente, em indústrias eletro-intensivas, como a de alumínio.
Por fim, o senhor considera o aquecimento global como resultado exclusivamente da ação do homem?
Nunca teremos certeza, mas eu acho provável. Os dados são convincentes (as correlações mostradas pelos modelos). Alguns países vão ser beneficiados com o aquecimento global; outros irão perder.
Quais?
Pergunte aos especialistas do IPCC. Você verá que o Brasil, por exemplo, vai ter menos chuvas, o que pode levar à desertificação. A Sibéria, ao contrário, vai ficar mais quente, o que tornará possível a cultura de cereais.
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