segunda-feira, outubro 29, 2007

Uma Mente Brilhante




Como esta semana será outra de trabalho intensivo e viagem, deixo a vocês um textinho de minha própria lavra sobre uma figura interessantíssima da ciência do século XX: John von Neumann.






Na Budapeste do início do século XX, o pequeno János entretia os visitantes da família Neumann com sua assombrosa memória fotográfica. Aos seis anos, era capaz de, com uma ou duas passadas de olhos, decorar páginas inteiras da lista telefônica. Não adiantava o visitante querer pular a ordem dos nomes e números; ele sempre os acertava. Entre suas façanhas estava também a de fazer piadas com o pai, Max Neumann, em grego clássico. Puro folclore, diriam os mais céticos. Mas é difícil não acreditar nisso depois de conhecer toda a história de John von Neumann – nome que János adotou depois de mudar-se para os Estados Unidos, na Universidade Princeton, onde se consolidou como um dos três maiores matemáticos do século passado.
Na verdade, “matemático” nem é a melhor definição de von Neumann. Como bem notou Sylvia Nasar em A Beautiful Mind, ele foi o último polímata. Ao contrário da maioria dos matemáticos daquela época, não tinha restrições quanto à matemática aplicada, geralmente considerada uma coisa menor. Charmoso era lidar com a matemática pura. Não para von Neumann. Onde quer que houvesse um problema ou enigma passível de ser resolvido pela lógica matemática, von Neumann não se furtava a atacá-lo.
Suas idéias influenciaram campos tão diversos quanto a física e a economia: trabalhou na axiomatização da mecânica quântica e escreveu o livro seminal de teoria dos jogos – Theory of Games and Economic Behavior, de 1944, em parceria com o economista alemão Oskar Morgenstern. Quando morreu precocemente aos 57 anos – há meio século, em fevereiro de 1957 – estava trabalhando numa teoria do funcionamento do cérebro humano.
Von Neumann pode ser considerado discípulo do alemão David Hilbert, o maior entre os matemáticos no início do século passado. Na Universidade de Göttingen, Hilbert reunira em torno de si as melhores mentes da Europa nos anos 20. Lá von Neumann encontrou J. Robert Oppenheimer pela primeira vez – parceria que se repetiria quase 20 anos mais tarde, do outro lado do Atlântico.

Mecânica quântica e teoria dos conjuntos não o fariam famoso fora do meio científico. Mas é bom não esquecer que o homem tinha uma queda por matemática aplicada. Em Los Alamos, ficou incomodado com a lentidão das máquinas de calcular e passou um tempo analisando o Eniac, o primeiro computador do Exército americano, na verdade uma grande máquina de calcular. Acabada a guerra, decidiu construir um computador melhor. A idéia não foi muito bem recebida em Princeton. Einstein teria dito que um computador não o ajudaria a elaborar a teoria do campo unificado – aquela que unificaria a relatividade geral com o eletromagnetismo em uma única teoria.
Von Neumann teve que buscar financiamento na Marinha, com a ajuda do engenheiro eletricista Vladimir Zworykin. O argumento não poderia ser mais persuasivo: o novo computador poderia prever o tempo. Afinal de contas, o desembarque na Normandia não tinha corrido um risco enorme por causa da total imprevisão das condições do clima? Resultado: o dinheiro apareceu rapidinho, da Marinha e de outras fontes oficiais, e o computador acabou sendo construído em Princeton mesmo.
Foi o primeiro computador digital com memória que podia ser programado para realizar determinadas tarefas, ao contrário do Eniac, que precisava ser programado a cada novo cálculo. Mas é preciso dizer que ele não previa o tempo muito bem, não. Tampouco resolveu os problemas de Einstein, também não resolvido pelas gerações de computadores que se seguiram.
Por outro lado, deu origem a uma nova anedota em Princeton. Pronto o computador, sua rapidez precisava ser testada. Não demorou para que alguém propusesse uma competição da máquina contra o melhor cérebro humano. Exatamente! Contra o próprio von Neumann. O criador superou a máquina, no que pode ser considerada a prévia do embate entre Gary Kasparov contra o Deep Blue, no xadrez. O físico Edward Teller resumiu bem o papel de von Neumann no desenvolvimento dos computadores: “a IBM provavelmente deve a metade de seu dinheiro a Johnny von Neumann”.
Von Neumann não cabia no estereótipo do matemático desligado das coisas mundanas. Vestia-se classicamente, de terno e gravata, e adorava carros e brinquedos infantis. Dirigia de forma um tanto inconseqüente, a ponto de um cruzamento em Princeton ter sido batizado de “esquina von Neumann”, pelo número de acidentes que provocara lá. Adorava festas e quase todas as semanas recebia convidados em sua casa, ao lado da mulher Klara, quando, dizem, costumava beber um pouquinho além da conta. Nada que comprometesse sua memória invejável. Era sempre a atenção desses encontros, contando piadas politicamente incorretas e falando com a mesma desenvoltura sobre física ou história bizantina. Um especialista no assunto cometeu o equívoco de teimar com Von Neumann sobre uma data de um fato histórico e, claro, perdeu. Da outra vez em que foi convidado para um convescote na casa dos Neumann, disse que iria com uma condição: que von Neumann não discutisse sobre história bizantina na frente dos convidados. “Todos pensam que eu sou o maior especialista do mundo, e eu quero que continuem pensando assim”, justificou-se.
O folclore sobre von Neumann o tornou uma figura quase mitológica ainda em vida. Em Princeton, havia uma anedota sugerindo que, na verdade, ele não seria humano, mas um semideus que estudara os seres humanos a ponto de imitá-los perfeitamente. Não se pode nem dizer que era o brilho de uma estrela solitária, porque se tratava de uma constelação, a Princeton daqueles tempos, de Kurt Gödel, Albert Einstein e outros menos famosos, mas não menos brilhantes.
Boa parte deles buscou refúgio nos Estados Unidos por causa da ascensão do nazismo na Europa. Von Neumann trilhara o mesmo caminho no início da década de 1930. Também na contramão de seus colegas matemáticos, tinha convicções políticas bem definidas – antinazista e anticomunista – e não se furtou em colaborar com o governo americano nesses dois fronts. Durante a Segunda Guerra, era uma das estrelas do Projeto Manhattan; era um dos poucos cientistas com autorização para entrar e sair de Los Alamos. Durante a Guerra Fria, passou à condição de conselheiro do governo americano – sua última aparição pública foi recebendo a Medalha da Liberdade, confinado à cadeira de rodas, das mãos do presidente Einsenhower. E defendeu abertamente a polêmica idéia de que os Estados Unidos deveriam fazer ataque nuclear preventivo contra a União Soviética. Coisa de maluco? Não para algumas outras cabeças brilhantes, como o filósofo Bertrand Russel. Para eles, não haveria espaço para duas superpotências nucleares. E defendiam mais: um único governo mundial. O governo americano não lhes deu ouvidos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu caro amigo, não sei bem porque, mas simpatizei com o tal Von Neumann. Por que será?
Abraços,
Marcelo Santos