A Folha que me perdoe por copiar aqui textos quase todos os dias, mas é preciso compartilhar algumas coisas interessantes. Como esta entrevista do Jaguar.
SYLVIA COLOMBO
Aos 75 anos e ainda freqüentando de modo assíduo os botequins do Rio -e os da cidade onde estiver-, Jaguar encontrou a Folha num tradicional restaurante da rua São José, no centro da cidade, na tarde da última sexta-feira. O motivo da entrevista é o fato de ele estar agora à frente da coleção de humor da editora carioca Desiderata, publicando novos cartunistas e gente da época do "Pasquim", incluindo ele próprio. Entre os lançamentos vindouros, um livro de cartuns que ele havia publicado apenas na Argentina, há mais de 30 anos, e do qual não lembrava mais. "Voltei para o Rio, cai na gandaia, e esqueci dele." O título, sugestivo, é "Nadie Es Perfecto" (ninguém é perfeito).
Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.
FOLHA - Como anda o cartum?
JAGUAR - O cartum é uma espécie em extinção. Tem muita gente publicando história em quadrinhos, charges, caricaturas. Não é a mesma coisa. Sou cartunista, mas sobrevivo fingindo que sou chargista. Se não, não pago as minhas contas.
FOLHA - Qual é a diferença essencial entre cartum e charge?
JAGUAR - Simples. Por exemplo. Hoje fiz uma charge sobre a visita do Bush. Desenhei o Lula chamando o Bush, que está indo embora do quadrinho. Só aparecem os pezinhos dele. Lula estica o dedo e chama: "Ei, ô companheiro, e a saideira?". Isso é uma charge. Uma piada que, daqui a cinco anos, ninguém vai entender, porque é em cima de uma circunstância.
FOLHA - E o cartum?
JAGUAR - É um troço que você faz sobre assuntos que daqui a 20 anos qualquer um entenderá. Um exemplo clássico, uma piada qualquer sobre o "Ricardão dentro do armário". Todo mundo sabe do que eu estou falando. Piadas sobre vida conjugal, sexual, todo mundo entende. Em qualquer época. Já piadas em cima de fatos políticos momentâneos vão ficando incompreensíveis.
FOLHA - E por que o cartum está em extinção?
JAGUAR - Porque ninguém mais publica. Eu não tenho onde publicar. De vez em quando emplaco um cartum. Mas tem de ser disfarçado de charge. Se não for assim, não passa.
FOLHA - O mundo está se desinteressando do humor?
JAGUAR - Pelo menos deste formato de humor, sim. Tanto que revistas no mundo todo estão desaparecendo. A única que ainda publica cartum de verdade é a "The New Yorker".
FOLHA - Há uma nostalgia excessiva com relação ao "Pasquim"? As pessoas romantizam demais essa época?
JAGUAR - Eu não tenho nostalgia nenhuma. Só quero saber o que vou fazer amanhã. Mas as pessoas ficam com esse papo: "Ah, no tempo do "Pasquim'". É uma bobagem, coisa de velho gagá. Como se tivesse sentido existir o "Pasquim" até hoje.
FOLHA - Quando lê os jornais, vê a influência do "Pasquim"?
JAGUAR - Os jornais mudaram muito. Mas acho que mudariam de qualquer jeito. Se não fosse por um lado, seria pelo outro. As coisas já estavam em transformação.
FOLHA - Mas você escreveu que, com o "Pasquim", a imprensa tirou o paletó e a gravata.
JAGUAR - É verdade, mas a mudança já estava acontecendo. O "Pasquim" deu certo porque as pessoas se identificaram. Por outro lado, posso dizer que quem começou essa transformação toda na imprensa brasileira fui eu, e por acidente.
FOLHA - Como assim?
JAGUAR - A gente tinha feito uma entrevista com o Ibrahim Sued. Fomos eu, o Tarso de Castro e o Sérgio Cabral. Mas depois todo mundo sumiu.
FOLHA - Sumiu?
JAGUAR - Sim, sumiu. Éramos um bando de porra-louca. Os dois foram para a farra e eu tive de tirar a entrevista sozinho. Só que eu não sou jornalista e não sabia fazer isso. E deixei o texto com o jeito coloquial mesmo. Virou nosso "estilo".
FOLHA - E pegou na hora?
JAGUAR - Não. Demorou. Os jornais resistiram a adotar o tom coloquial. Só depois que a publicidade começou a usá-lo é que a imprensa foi atrás. Mas hoje já acho que essa fórmula se esgotou.
FOLHA - Por quê?
JAGUAR - Nossas entrevistas ficavam boas porque éramos um monte de caras de porre que íamos falar com um coitado de um entrevistado que não tinha chance de abrir a boca. Passava um aperto danado. Depois que a coisa pegou, a imprensa começou a usar essa fórmula, só que para levantar a bola do entrevistado. Aí perdeu a graça.
FOLHA - Até quando, então, você acha que o "Pasquim" justificou a sua existência?
JAGUAR - O "Pasquim" foi uma experiência muito divertida, mas eu poderia tê-la diminuído em dez anos. Fiquei fazendo o jornal de teimoso. Me endividei. Foi um horror. Todos pularam fora e eu fiquei. O jornal perdeu a influência, a tiragem era pífia. Podia ter feito como os outros, que foram cuidar de suas vidas. Mas, não, fiquei lá, morando na redação, dormindo num colchonete debaixo da prancheta. Um maluco.
FOLHA - Dá para viver de cartum?
JAGUAR - Não. Eu trabalhei 17 anos no Banco do Brasil. E nunca faltei nem um dia. O banco foi fundamental. Não só pela grana, mas porque me ensinou a ser profissional. Sou um porra-louca, bêbado, alcoólatra, um monte de coisa. Mas nunca faltei no trabalho. Também nunca deixei de entregar um desenho no horário, no dia certo. Isso eu devo ao banco.
FOLHA - Houve um retrocesso no humor brasileiro com relação aos anos da ditadura?
JAGUAR - Sim. Essa coisa de não poder chamar crioulo de crioulo, por exemplo. Fui casado dez anos com uma crioula. Não é pejorativo. Não vou começar a dizer que casei com uma afro-descendente. É uma hipocrisia.Mas a maioria dos humoristas hoje é muito certinha. Criou-se um limite e, se a gente passa um pouco, leva pito. Eu não levo mais porque sou velho e sou o Jaguar. Aí as pessoas dizem: "Ah, é o Jaguar, deixa ele".
2 comentários:
No dia seguinte, no Painel do Leitor:
"Quer dizer que Jaguar, homem, heterossexual (até onde é público), branco e de classe média, se ressente pelo humor estar certinho ("Humoristas estão muito certinhos", Ilustrada, 13/3)?
Que fique bem claro que a piada da qual ele tanto tem saudade era para alguém como ele achar graça. Eu, por exemplo, que sou gay, prefiro um humor correto a um que tenha de usar idéias preconceituosas para fazer heterossexuais acharem graça da vida. Riso em cima da humilhação dos outros não!"
WELTON DANNER TRINDADE (Brasília, DF)
Ph: pode surrupiar à vontade o que está lá no meu canto. Quanto a esta do Jaguar, vou ler depois com mais calma. E, se for o caso, surrupiarei também. hehehe
abs
aluízio amorim
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